23.10.10

quando o que quer se medir não tem preço



"Valores se tornam abstratos quando o que quer se medir não tem preço" 
- Bia Amorim

Essa frase saiu de um pensamento alto. Estava no computador conversando com os meus botões, falando com o meu interior. E quando falo alto, eu me escuto de forma diferente. Deu tempo, por exemplo, de anotar a frase em um papel e continuar a tarefa do cotidiano. Voltei a ela horas depois para fazer a devida transcrição para o BibideBicicleta.


Estava pensando que ter o Pai que tive não tem valor com que possa mensurar, preço que se possa sugerir, medida que se possa escalonar. É uma graça. Portanto: de graça. Na verdade, a condição é a convivência e conviver não é simples e nem tranquilo. Requer adequação, negação de si mesmo, partilha, doação. 


Claro que meu Paizinho tinha um monte de defeitos. Alguns defeitos que só o eram para mim, por exemplo. Mas a graça da boa convivência está em superar esses obstáculos e encontrar valor até no que lhe parece estranho, diferente, aparentemente irreconciliável. Ele melhorou muito com o tempo. Eu também me tornei melhor em seu tempo. E sei que é um legado incrível, porque as lições não terminam, porque muita história a gente fez junto. Histórias que trago na memória afetiva, na minha formação, na minha informação, no meu DNA e nos meus sonhos.


Então eu pensei que hoje eu estou em casa e meus amigos tão caros estão todos reunidos. Eu não pude ir porque trabalhei hoje (sábado) e trabalho amanhã (domingo) e também durante toda a semana que vem pela frente. Essas pessoas também vão partir um dia e eu me pergunto: "o quanto delas eu aproveitei?". A idade que eu tenho hoje também vai se acabar e eu me pergunto: "o quanto dela eu deixei de aproveitar em função de outras coisas?".


Estou na fase de me perguntar: por que me preocupo tanto com o futuro, se deixo de curtir o presente? Não é o presente que nos lança para um futuro? E se o futuro não chegar, o que terei feito de mim e dos meus dias? E se o futuro chegar e eu não tiver saúde para desfrutar das dádivas recolhidas ao longo de uma jornada extenuante? E as histórias vividas? E as memórias recolhidas? Sabe aquela música: "queria ter amado mais?..." Ela me dá muito nervoso, porque é muito difícil ficar em débito com a vida e a sua história. 


É claro que eu queria ter vivido muitos amores. Tive poucos. Pouquíssimos. Mas amei muito e fui fiel ao que senti sempre (amor, paixão, tesão, carinho, afeto, interesse, vontade, desejo - todas as formas). Mas imagine só se eu tivesse hoje essa questão em relação ao meu Pai: "queria ter amado mais...". Não, não queria. Graças a Deus eu amei grande, eu amei inteiro, eu amei redondo, eu amei intenso, eu amei extenso, eu amei profundo, eu amei de verdade, eu amei com vontade, eu amei pra fora, eu amei pra dentro, eu amei provando, eu amei aos ventos, eu amei miúdo, eu amei dividindo, eu amei chegando, eu amei partindo, eu amei calada, eu amei gritando, eu amei parada, eu amei andando, eu amei olhando, eu amei em segredo, eu amei mostrando, eu amei contando, eu amei cantando, eu amei chorando, eu amei orando, eu amei gritando, eu amei intenso, eu amei contente, eu amei simplesmente...


Dei valor ao que tinha valor à sua época. Tive em troca: amor. Agora construo novas pontes, novas conexões antes que o tempo venha me apresentar a conta. Porque quando ele vier (o tempo e seus caprichos), assim como aconteceu com meu Pai, quero estar pronta para pagar o saldo devedor e até ofertar a gorjeta. Quero dizer: deu tempo!


Quero amar... Mas também quero ser amada em retribuição.

2 comentários:

Saulo disse...

Que linda declaração!!! Fiquei realmente emocionado...
Te amo

Bibi disse...

falei para a minha mãe que vc chorou com um texto meu. Ela disse que é só porque vc me ama muito! hahaha