4.5.11

Dia das Mães 3 - Pé de Perina

Minha avó e seus filhos - 1981

Difícil você se lançar à aventura de fazer uma homenagem ao Dia das Mães e não buscar referências na sua própria história. Voltei a fita do tempo e cheguei à pessoa que fez da minha mãe a mulher extraordinária que ela é: vovó.


Sempre adorei as histórias de avós. Não tive uma daquelas tradicionais, que te lotam de mimo, presentes, visitas. Minha avó paterna já havia morrido quando eu nasci. Minha avó materna morava longe da gente. Mas se ela não me deu tanto o calor de sua presença, providenciou a força da sua trajetória a, de certa forma, nortear os meus passos.

Minha avó teve 10 filhos. Teria 11, mas uma morreu logo depois de vir ao mundo. Todos nasceram em casa, parto natural era a única opção. Foram três meninas e sete meninos. A mais velha fará 90 anos no mês que vem e a festa já está sendo organizada. Penso que de alguma forma a mãe se perpetua nos filhos. Minha avó morreu com 102 anos. Sua prole caminha para uma vida longeva (graças a Deus). Dois morreram: um do coração e um de câncer. Os males da vida moderna, certamente.

Vovó nasceu e viveu na Fazenda do Serrote. Tinha ascendência italiana. Braços gorduchos, pesados, que dias antes da sua morte ainda conseguiram jogar a enfermeira longe. Vovó gostava de ficar na dela. Sei pouco da sua história, mas tudo que sei ganhou contornos exuberantes, marcantes, dignificantes. Basta dizer a vocês que se casou com 18 anos e ficou viúva nova, nova, com o décimo filho ainda bebê. Já na cidade, sem recursos, ela sustentou a família na marra, fazendo comida para fora. E sempre dando de comer a quem tinha ainda mais necessidade. Repartir, sempre foi o menu do dia em seu cardápio.

Filhos criados. Homens e mulheres de bem. Cada qual foi formando a sua família também. Passando para frente uma história de vida recheada de carinho, luta e fé. Minha avó amava a Deus sobre todas as coisas. Ensinou um caminho de fé aos filhos, netos, bisnetos. E a quem mais chegasse. Todos os dias ela gostava de ler um capítulo do livro de Salmos. Era sua forma de orar, de elevar o pensamento até o consumador da sua fé. Sempre pedia para viver mais um pouquinho. E Deus foi deixando até ela não encontrar mais motivos em sua falta de lucidez. Assim mesmo, morreu recitando o Salmo 23 completo: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará...".

Gostava de cachorros. Tinha um papagaio. Cultivava um jardim tão belo no quintal dos fundos da sua casa. O relógio cuco avisava das refeições. Frango e angu quase sempre. Café melado e biscoito enrolado não faltavam. Não gostava muito de beijos, mas ao ser beijada, sempre dizia: "Deus te abençoe, minha filha". Me chamava de "menina" e ria das coisas que eu dizia, quando escutava... Sempre me ensinou a dar "muitas graças e muitos louvores" por todos os acontecimentos. Gostava de doce, como uma criança. E NUNCA deixou de dar água e comida aos mendigos que batiam a campainha.

Minha avó tinha um cheiro muito bom, porque não dispensava um talquinho no pescoço após o banho. Já era branquinha, ficava ainda mais. Sabe o jardim? Gostava de se sentar num banco de madeira comprido, onde tomava sol. Ali também se sentavam filhos, netos, visistas. Apreciava mais o ouvir, que o falar. Talvez porque seu único "problema" fosse a surdez. Não interagia muito nos assuntos, mas adorava ficar no meio do povo, sorrindo um sorriso sem dente mais lindo que já vi. Em frente a esse banco no qual ela costumava se sentar tinha um pé de pêra, que nos dava sombra e sabor. E numa dessas ironias da vida, o pé de pêra era o pé da Perina. Seu nome.

12 comentários:

Saulo disse...

Me emocionei com a essa história/homenagem. Mais uma linda pessoa que, infelizmente, não tive a honra de conhecer em vida. Faço minha rever~encia póstuma, dizendo: "Muito Prazer, D. Perina!"

Bia Bug disse...

Lindo!

Aliette disse...

Realmente, Bia, é uma linda homenagem! Linda e justa! Que bom que você pode escrever essas palavras tão belas e de uma forma tão interessante! Essas inspirações chegam-nos pelos belos exemplos que os nossos ancestrais nos deixaram. Também tenho recordações marcantes da minha infância, que os anos já levaram há muito tempo. É uma felicidade!

Bibi disse...

Saulo: quando vc se emociona, eu sei que acertei a mão!

Bibi disse...

Bia Bug: seu comentário sempre me deixa feliz

Bibi disse...

Aliette: que honra vc por aqui!

Thais disse...

Muito linda a homenagem Bia... tive a honra de conhecer D. Perina, muito pouco, mas nesse pouco pude perceber realmente tudo isso que você nos falou... belo exemplo de vida!!!!

Junior disse...

Puxa, Bia, nossa avó faleceu em 2004. Achei que os 39 anos de minha vida até então tivessem sido suficientes para conhecê-la... engano retumbante. Ainda hoje passo a conhecer um pouco mais de D. Perina. O que nos é contado, é fruto de experiências que não tivemos, é a percepção alheia. Só que, se nos atinge o coração, passa também a ser experiência nossa. Obrigado por me apresentar um pouco mais de nossa vó Perina.

Bibi disse...

Thais: Quando você conheceu a minha avó? Eu conheço a avó do Saulo - e bem! hehehe

Bibi disse...

Juca: lindo o que vc escreveu! Vou botar em uma frase :)

Thais disse...

Bia...coheci sua avó Perina há "alguns" anos atrás (rsrs) não era nem casada... ainda estava noiva. Foi numa vez em que fomos todos lá na casa dela e ficamos hospedados por um dia ou dois... não me lembro bem. Wiliam e Junior ainda eram pequenos...me lembro que também estava Soninha, o Sidney (tb não eram casados anda...), Sr. Salvador, a esposa, as tias "N"s, era um casamento de alguém de vocês (família da sua mãe!) que não me lembro...nossa!!! essa foi do fundo do baú!!! rsrsrs

Bibi disse...

Direto do Túnel do Tempo!