18.7.10

A Sala de Espera




Perguntei nesse post assuntos sobre os quais os Ciclistas poderiam se interessar. Talvez fosse uma tentativa de voltar a fazer crônicas que não necessariamente tivessem a ver comigo. Mas sabe de uma coisa? Viver também é contar histórias: aquelas que a gente vai experimentando, por estar mais atenta a um tema, ou aquelas que passaram e por um dado de realidade acabam por voltar à memória.


Pois bem... Nesse post a Aline (Step Tops To Be) levanta todo um questionamento sobre solidariedade. O desafio do tema é bom, porque eu gosto de alterar a lente da percepção do lugar comum... Ela queria que eu abordasse todo um questionamento amplo sobre a palavra. Não pude, no entanto. Sabe por quê? Esse blog não tem a pretensão de elaborar conceitos e questionamentos distantes ou inventar histórias que não sejam as acontecidas de alguma forma. O mais legal é que a vida está mesmo aí para provar que todo tema cabe, é viável e é possível, basta estar atento.

A última sexta-feira foi um dia bem atípico. Acordei bem mais cedo que o normal e fui fazer um exame chato. Precisava de um tempo curtinho de internação, sedação, exame e fim. Estava agitada demais, só que internamente. Por fora parecia calma e até sonolenta. A sala de espera estava cheia de gente. Pensei que fosse ser aquele calvário até chegar a minha hora... Daí vem a vida ensinar, que ser solidário é também dar chances à história do outro. Ouvi vários relatos de tanta gente interessante, que o tempo passou menos opressivo:

Um senhor de luva – achei a roupa estranha, mas ele contava que era diabético e que estava ali também para fazer hemodiálise. Era um cara divertido, apesar das agruras. Contava casos e dizia que não precisava de muito dinheiro, que ser feliz era só uma questão de fazer as escolhas certas.

A senhorinha – Já estava ali sentadinha quando eu cheguei. Falava pouco e baixo. Tinha o corpo muito magrinho, era toda miudinha. Quando a paciente gorda saiu da sala de exame, trôpega, ainda trocando as pernas, elas se sentaram lado a lado. A senhoria então falou pela primeira vez:

Senhorinha: Você está se sentindo bem?

Gorda: Estou sim, só um pouco tonta.

Bibi: A senhora está com medo do exame? Fica não, é simples...


Senhorinha: Não, minha filha. Eu já sou freguesa desse exame! Só achei que ela estava muito frágil e estou tentando ajudar...

E tentando ajudar, ela contou que tem 80 anos e que tem alguma coisa na coluna, algum tipo de hérnia, que se ela operar tem grandes chances de não mais voltar a andar. E ela contava, então, que ia vivendo como Deus queria, seguindo um tratamento que começou aos 40 anos de idade. Foi então que olhei para ela e vi tanta doçura em ajudar a outra; ela, tão mais frágil, que aquela a quem ela chamava de frágil...

O Pai – Não era o meu pai, que estava lá comigo, mas um pai como tantos outros que tem por ai (ainda bem). Devia ter quarenta e poucos anos, negro, atlético, simpático e contava estar arrepiado com a nova fase da filha: uma adolescente de 14 anos.

- Eu pergunto para ela se ela é bv (boca virgem) e ela ri na minha cara!

Ele contava isso com muito humor, mostrando que tentava encarar os novos dias. Disse que gostaria que ela fosse como antes, quando era toda agarrada com ele...

Bibi: E quando foi esse antes?


O Pai: Quando ela tinha cinco anos.


Hahaha
Disse a ele que crescer era inevitável. O óbvio, mas ele precisava ouvir. Disse que quando a gente é adolescente, os amigos passam a ter uma importância vital no nosso cotidiano, então, era natural ela trocar a família pelos amigos nos programas. A tendência era ela voltar quando a fase passasse. Pelo menos eu fui assim: me voltei mais para a família quando vi nascer em mim a necessidade e o desejo de formar uma.

A Mãe – Enquanto O Pai dava o seu depoimento, A Mãe se aproximou para trazer a tona a sua história também. Uma mulher bonita, 38 anos e três filhos: de sete, cinco e dez meses. O tipo de mulher que nasceu mesmo para ser mãe. Acredito em mulheres que tragam essa característica dominante em seu “DNA”. Ela não falava de problemas especificamente, mas falava de amor e levantava questões. Achava que a gastrite dela era em função dos três filhos pequenos. Também dizia, que quando o mais velho falava para ela “você é a minha princesa mais linda”, o mundo parecia parar. Eu pude experimentar um pouquinho da sensação pelos olhos dela. Ela dizia que tinha medo de vê-los crescer e que tinha a impressão de que ia pirar quando o mais velho começasse a namorar. Pensei que fazer projeções com filhos ainda pequenos angustia mesmo, porque à medida que eles vão crescendo, você vai experimentando e acomodando essas novas sensações de maneira mais palpável e real. Tudo que é hipotético demais soa mais complicado. Eu falei algo parecido a ela e acrescentei:


- Comecei a sair de casa sozinha, pegando ônibus para outro bairro, atravessando ruas e passarelas com 10 anos. A namorar sério aos 14 anos...


Ela ficou meio tensa, claro. Contudo, mostrei para ela que cada qual tem o seu tempo e que nem por isso eu havia me tornado alguém diferente, ruim, desgarrada, sei lá o que as mães pensam. Ela perguntou para o meu pai:


A Mãe: E o senhor deixava?


Pai: Eu nunca proibi meus filhos de fazerem nada, porque neles eu encontrava confiança de sobra.

Eu amei ouvir isso do meu Pai. Porque é parte da história da minha formação. Mesmo com tantos erros e acertos, acho essa uma característica tão bacana de dentro de casa: o poder da decisão com a orientação devida. E se algum dia eu quebrasse a cara ou estivesse “em vias de”, não rolava um “eu te avisei” ou “a culpa é sua”; pelo contrário, o consolo sempre esteve presente na minha relação com o meu Pai. E acho que isso foi determinante para que eu também desenvolvesse essa característica na minha vida. A solidariedade é característica latente no meu lar e na minha formação.

Então fui chamada para o exame. Estava agitada e a anestesia não pegava direito. A enfermeira começou a conversar comigo. Como isso não estava propriamente resolvendo, ela começou a afagar a minha cabeça e eu fui relaxando. Depois ela pegou a minha mão e eu não quis mais soltar.


Sempre foi disso o que precisei para enfrentar os problemas da vida: solidariedade, um bom papo, o afago que conforta e uma mão que me desse a firmeza de uma presença amiga.

2 comentários:

STAP TOPS TO BE disse...

:D

Bibi disse...

Acho que você foi a única que gostou :)