30.12.11

Mulher zen-crochista



Tia Angie faz crochê. Essa simples frase diz muito sobre o perfil e a personalidade dela. Tem 88 anos, cabelos brancos e uma lucidez de fazer injeva. O crochê é dos tempos em que menina prendada tinha habilidade manual artística. Ela tem outras. Hoje mesmo me disse: "É bom que você aprenda também. Minha irmã nunca se interessou, ficou velha e agora vive entediada. Eu não, na minha idade ainda crio muita coisa, faço presentes, passo o tempo inventando coisas que deixam as pessoas felizes". Eu ri. Ela tem razão. Mas assim como a meditação me causa nervos, o único tricô ou crochê que não me entedia é aquele feito com as amigas. Eufemismos dos tempos modernos...



Não sei se foram o cruzar de agulhas o seu mantra, mas o fato é que Tia Angie criou sete filhos numa boa. Todos homens que construiram bem as suas histórias e foram formar as suas próprias famílias. Todos unidos para celebrar a vida nas mais diversas ocasiões. É bonito de ver. Algo que é caro e tão raro nos tempos atuais. Certamente deve ter sido difícil controlar o gênio de sete garotos dentro de uma casa sem grandes condições. E ela ainda fazia crochê... Mulher zen-crochista, inaugurando uma fórmula própria de transcender o caos.


Gosto de suas tiradas, porque essas me surpreendem por partir de alguém que não parou no tempo, mesmo tendo esse direito. Ainda hoje ela gosta de ler e disse: "Menina, esse negócio de romance não é comigo não. Pura historinha, a gente não conhece a verdade. Gosto de livros que me ensinem alguma coisa". A sabedoria dos cabelos brancos agora tem nas mãos "Deus é Vermelho", de Liao Yiwu, que conta a história secreta de como o cristianismo sobreviveu e floresceu na China comunista. Faz a leitura sem precisar de óculos. Seus filhos já não podem se gabar do mesmo. Tempo, esse menino maroto.


Passamos a tarde com ela por perto, confortavelmente instalada na 'cadeira do papai'. "Eu gosto dessa, porque tem braços para me apoiar". Quem negaria esse mimo a ela? Eu e o Soneca, seu neto, víamos um filme. Fiquei bem quietinha prestando atenção na tela. Achei que ela nem fosse se interessar pelo que estava na TV, afinal, as mãozinhas estavam tricotando a toda. No final, a história terminou com uma canção no ar e o casal apaixonado dançava pela rua. Então, ela resume bem a situação: "Bons eram os tempos em que as pessoas curtiam essa história de serenata. Hoje em dia, a mulher pega até carrapato na rua e já leva para o motel". hahahahahahaha



Tia Angie é dessas mulheres que não apenas vê o tempo passar, mas sabe muito bem como brincar com ele. Essa menina marota,  zen-crochista  de cabelos brancos.

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