O começo de 2011 não foi nada legal para quem estava na
Região Serrana do Rio. O Brasil inteiro acompanhou pelos jornais e boa parte do
mundo viu o que as chuvas de janeiro e a consequente explosão d’água que se
seguiu provocou em Teresópolis e adjacências. O saldo de vidas reviradas,
silêncio e tristeza ainda está intimamente ligado àquela área, mesmo com alguns
avanços em direção à reconstrução física e moral (onde o desvio de verbas
deixou, é claro).
Cerca de dez meses depois da devastação, fui escalada
para fazer uma matéria em Itaipava, na região conhecida como Vale do Cuiabá. Ironicamente,
foi lá que as águas ceifaram a vida de um companheiro de trabalho, sua linda
mulher (a quem eu já havia entrevistado algumas vezes) e o filhinho deles,
ainda bebê (que eu vi na barriga da sua mamãe-estilista). E, como plus do
destino já irônico, a matéria não seria sobre a situação da região, mas o local
serviria de cenário para uma matéria sobre nascimento. Ironia das ironias, eis
aqui a sua face.
Ao chegar próximo à estrada que leva a pousada, o cenário
de lama e reconstrução não deixava dúvidas de que estávamos realmente “no
caminho das águas”, onde tudo aconteceu. Vejam vocês: quase 300 dias depois, as
pistas de uma tragédia não anunciada ainda davam sinais de sua existência, como
uma cicatriz marcada na pele frágil. Quem tem dinheiro pode refazer suas
construções, quem não tem, deixou paredes pela metade, muros caídos, semi-casas
como esqueletos expostos ao olhar público. E tem que ser assim, do contrário,
não são ressarcidos com as indenizações.
Recuperar casas é até uma ação simples diante do todo.
Ainda assim, quem teve dinheiro para refazer seus tetos luxuosos (e muitos até
ajudaram financeiramente seus vizinhos menos privilegiados numa bela iniciativa
própria de solidariedade), não pode acelerar o movimento da natureza e
recolocar no lugar de outrora as árvores e vegetação que tanto embelezavam o
local. Ali também se vê a cicatriz das circunstâncias, que vai se curar em seu
tempo certo, no movimento evolutivo esperado.
Agora, recuperar
vidas que perderam outras vidas para um insuspeito fenômeno da natureza –
muitas vezes famílias inteiras (como aconteceu com o meu colega Alexandre, a mulher dele, a estilista Daniela Connoly e outras seis pessoas
da família dela) – é que é o grande desafio de toda essa história. Essa saga. O
saldo negativo vai para contas individuais e praticamente invisíveis a olho nu.
Essas são as cicatrizes que não se levam com o tempo, que não se apagam com
tratamentos. Elas apenas deixam de chocar e passam a simplesmente fazer parte
da paisagem. Não são “a paisagem” simplesmente. Mas estão lá, contando uma história.
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