7.2.12

Quem vai cuidar desses meninos?



Azar o de quem pensa que o estilo auto-ajuda é menor. E sinto muito sobre quem pensa que o meu estilo descamba para esse caminho. Escrevo sobre gente. Sempre foi assim. No fundo, quando você faz uma reportagem sobre algo ou alguém, fatalmente o elemento humano está envolvido. Só cansei de dar notícias e passei a contar histórias. O ser humano me surpreende: tanto me fascina, quanto me repulsa.


Joana era pobre. Morava numa região de interior, daquelas com rua de terra batida e casa de alvenaria cujo reboco aparecendo davam conta da precariedade dos recursos de seus habitantes. Ela se casou com Francisco e não demorou muito para o Chiquinho nascer. Meu Pai costumava repetir aquela máxima jocosa antiga de que na casa de pobre não tem televisão, então a diversão funciona de outra maneira. Tabelinha na casa de Joana só aquela que mostra até que dia ia ter comida na dispensa.


Francisco nunca foi um homem conformado com a vida de privações. Desejava uma realidade melhor. "Sonhava grande", assim diziam seus amigos. Ele sempre acreditou que se a ocasião faz o ladrão, a oportunidade faria o cidadão. Depois de ter mais dois meninos com Joana, a tal luz no fim do túnel parecia ser só uma lanterninha fraca... 


Foi quando um primo lhe falou sobre as melhores oportunidades que existiam no "estrangeiro". E dos planos concretos que ele tinha de ir para lá. Francisco viu ali uma oportunidade de fazer a vida e partiu em busca da tal oportunidade. Deixou a família apenas com o sonho nas mãos. O tempo foi passando e as esperanças da tal melhora de condições foram minguando, assim como os telefonemas. Esses, já escaços. A distância não virou ponte, mas um vale de lágrimas. Francisco formou nova família e segue em busca das mesmas aspirações que o fizeram deixar para trás, há oito anos, seu chão, sua gente, sua família.      


Recentemente Joana sentiu-se mal. Era como se as tripas estivessem viradas. A crendice popular tem lá os seus acertos. Era câncer no intestino. Sem chance de regressão. O tratamento, dizem os vizinhos, é para ajudá-la a ter uma sobrevida sem dor. Ela sabe que vai morrer. Os filhos sabem que ela tem os dias contados. O mais velho está com 20 anos e nenhum juízo. O mais novo, apenas 13. Os familiares mais próximos, vizinhos de parede até, poderiam ajudar. Poderiam... Se não estivessem eles próprios inseridos em dramas pessoais seríssimos: a mulher é alcoólatra e o marido é usuário de drogas.


Quem vai cuidar desses meninos? Sim, porque diante das agruras da vida, uma pessoa com 20 anos é apenas um menino. Um menino de 20 anos com uma casa e dois irmãos para terminar de criar teria que ser um herói para transformar o impossível em algo viável. Isso se a aridez das circunstâncias não tivessem batido à sua porta, trazendo um elenco de novos dramas pessoais. Joana só repete que o que ela poderia fazer, ela fez: "Ensinei a noção do que é certo e errado. O que mais me sobra agora?".


Todos vamos morrer um dia. Fato incontestável e incontrolável. Talvez uma coisa que console essa estranha realidade seja o fato de que nós não saibamos quando isso vai acontecer. Hoje eu me peguei imaginando em como deve ser dura a realidade de quem está escutando o relógio da vida fazer o barulho da contagem final. Como naquelas gincanas em que a gente luta contra o tempo e quando ele vai se encerrando, nossos nervos ficam á flor da pele com o tic, tic, tic que nos assegura do fim. Sábios são os que conseguem ter a serenidade para enfrentar esse desafio final. E grandes são os que permanecem firmes, como um farol que guia por águas turvas, ao lado de quem se despede.       


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