Uma era quieta, observadora, de gestos delicados e um ar discreto
e sofisticado na escolha das roupas. A outra era o avesso, perguntava a tempo e
hora, falante, participativa, não parava quieta ao se expressar com movimentos.
Faziam o mesmo curso e sentavam-se de lados opostos da mesa. Essa alternância,
no entanto, não foi um abismo, mas ponte entre duas pessoas diferentes, mas que
tinham uma coisa em comum: o amor pelas palavras. Assim nasceu minha amizade
com a Cecília. Dois mundos, mas o mesmo universo. E depois, dentre as
similaridades, a mesma vontade de experimentar a vida. Ela já casada, com
filhas, com netos. Eu recém formada, solteira, com metas.
E mesmo com tudo diferente não perdemos a vontade de nos
ver. Fim do curso, começo da amizade que se mantém. Dia desses, ela me ligou. “Estava
pensando em você”, eu disse. “Por quê?”, ela me perguntou. “Estou exatamente entrando
no túnel que leva à sua casa”. “Jura? Estou acabando de sair dele, em direção à
minha casa”. Quando certas coincidências acontecem, não me faço de rogada. Eu
tinha um compromisso e estava morta de cansaço, mas marquei de me encontrar com
ela. Fazia um tempo que a gente não conseguia se encontrar. E acredito piamente
que amizades são sementes de uma bela flor: é preciso regar, adubar a terra,
podar as arestas. Merece um cuidado contínuo. Mesmo que não possa ser
constante.
Nesse encontro ela me falou sobre o curta dela - “O Brasil
de Pero Vaz Caminha”, que foi selecionado para vários festivais do país.
Acompanhei de longe as histórias da realização de um filme e ri com ela de cada
uma das roubadas que essa turma se meteu, com a maior disposição. Ver o produto
pronto é como acompanhar o desenvolvimento de um sobrinho. Depois, ela me
presenteou com seu último livro: “A Morte do Calouro”, com dedicatória e tudo,
o que deixa a vontade de ler, tanto quanto o exemplar em si, com muito mais personalidade.
O livro é infanto-juvenil (mais juvenil que infanto) e aborda um tema muito
legal que é sobre os trotes universitários, num enredo com pegada policial, que
transforma a história numa aventura. Bem bacana. Li em duas tacadas. Literatura
das boas, escrita que flui e ensina e não trata o jovem leitor como burro, bobo
ou aculturado. Maior orgulho da minha amiga.
Em dado momento, eu disse a ela que sempre que termino um
bom livro, tenho vontade de escrever para o autor. Para ela eu poderia
escrever, assim como já fiz com o Ivan Martins. Foi então que eu disse que esse
desejo começou com os livros que marcaram a minha infância. E me veio à mente o
nome da Sylvia Orthof (jamais
esqueci do “Se a Memória Não Me Falha”).
E não é que a Cecil conheceu a Sylvia? “Ela morreu”, me disse. E me contou que
foi uma das pessoas que mais a incentivou a começar a escrever, a ingressar
nessa linda carreira das letras. Meus olhos brilharam. Assim como um grande
nome como a Sylvia Orthof ajudou a Cecil; a premiada escritora Cecília
Vasconcellos me leva pela mão em meus primeiros passos - e meus desejos
anteriores ao passos efetivos - em busca
da publicação. Esse mundo é muito mágico. Espero um dia estar orientando os
passos de alguém, porque essa troca – certamente - é um enorme combustível para
a alma.
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