2.7.11

Crônica: a dor ocasionada pela perda

Paige Bradley

A dor ocasionada pela perda de um ente querido é um estado que nenhum de nós conhece antes de termos passado por isso. Temos a expectativa (e sabemos) que alguém próximo de nós pode morrer, mas não conseguimos enxergar além dos poucos dias ou semanas imediatamente subseqüentes a uma tal morte imaginada. Equivocamo-nos até quanto à natureza desses poucos dias ou semanas. Imaginamos que, se a morte for súbita, sentiremos um choque. Não esperamos que esse choque seja aniquilador, causando uma desestabilização, tanto para o corpo quanto para a mente... (Livro: O Ano do Pensamento Mágico de Joan Didion).



Morte. Desde o instante em que nascemos, essa é a única certeza sobre o nosso futuro: ela vem. Muitos morrem mesmo antes de nascer; quando apenas existem no útero materno. A morte talvez seja a face oposta da moeda do existir. Um assunto certo, mas sobre o qual poucos gostam de falar. Uma certeza que, de certa forma, é apenas imaginária em relação aos trâmites de sua ação e reação. Quem morreu, não volta para contar a experiência. E só quem passou pela dor da perda de alguém muito próximo sabe seu real significado. O mais é apenas hipótese sobre um fato.


Gostei de ler “O Ano do Pensamento Mágico”, porque é um livro franco que fala sobre o assunto sem mesquinhez, sordidez ou elucubrações transcendentes. A autora descreve a sua experiência sob a perspectiva de quem tem que lidar com as consequências de perder alguém bem próximo para a morte. Subitamente. Uma obra sem estereótipos, que foge de temas batidos como “a vida após a morte”, “o que acontece depois ou no exato momento em que se morre”, “a experiência de quase morte” ou “o que aconteceu com a mente numa situação de voltar de um coma profundo ou de ver o quadro de estado semi-vegetativo alterado”. E quando o protagonista não é o morto ou a morte? O que acontece com quem fica?


Essa semana peguei um táxi e, como de costume, dei "bom dia" ao motorista. Ele me respondeu educadamente. Em seguida, perguntei: “tudo bem?”. Ao que ele responde com calma e torpor: “na medida do possível, senhora, a gente vai levando”. Era de manhã e percebi que se eu desse espaço, esse homem ia começar aquele papo longo e por certo enfadonho. Peguei o telefone e me calei. Mas algo ali não parecia correto. Comecei a senti uma coisa esquisita em meu coração, como uma voz que dizia: “fale com ele”. Voltei a puxar um assunto qualquer e em um dado momento ele me perguntou: “a senhora tem filhos?”. Eu disse que não e ele emendou: “eu tinha quatro. Perdi um faz uma semana”.


O que fazer diante de uma situação como essa? Conheço muita gente que diria apenas um sinto muito e mudaria de assunto, evitando o desconforto de uma saia justa. Não os culpo ou julgo. Afinal, esse é um assunto sobre o qual parece pairar uma aura sombria, desgostosa, imponderável, intragável até. Muitos, quando não sabem lidar com uma situação, simplesmente a afastam de sua presença. Assim se perde a chance de aprender a lidar com coisas da vida. É um fato: a morte vem buscar. Quando não a você, a alguém que lhe é caro. E quando você estiver nessa situação?


Deixei o homem falar. Talvez ele só precisasse de alguém que estivesse disposto a ouvir. E ele contou toda a história de seu filho de 22 anos que morreu em um acidente de carro. Muitos esperam que em situações de desespero, o homem permaneça sendo a fortaleza dos demais à sua volta e o sujeito guarda uma dor insuportável sem ter ninguém menos dilacerado por perto para desabafar. Um estranho pode se tornar o seu maior confidente, o seu farol. E assim como ouvi no coração que devia dar uma chance desse motorista falar, também recebi as palavras a serem dita, que jorravam como consolo, sem eu me acovardar diante da fatalidade que lhe gerou tamanha fragilidade.


Falei, porque também já perdi muitos “alguéns” amados para a doença, para a fatalidade, no susto. De tudo o que eu disse, fica a certeza de que explicações não existem e nada que pareça justificar o fato de forma a aplacar a dor de imediato. Mas com o tempo, a gente acaba arrumando um lugar para essa dor dentro do peito, de forma que ela não nos impeça de seguir. Mas antes que isso finalmente aconteça: é preciso juntar os cacos da alma e continuar.

Nenhum comentário: