27.12.07

Porque é Natal



¨O mesmo torna-se infinitamente melhor quando alteramos a nossa percepção sobre os fatos ou as coisas. Essa é a melhor forma de resumir o meu Natal de 2007. Tem muita gente que fica extremamente deprimida nessa época do ano. Existem outros que não vêem o menor sentido nas comemorações. Há ainda os que apenas observam o lado comercial da festividade, para o bem e para o mal – os que só pensam no presente e os que dizem que os outros só pensam no presente e que por isso não vale festejar. Também existem aqueles que resolutamente se isolam, como se pudessem dar menor sentido à ocasião, tentam ignorar a data, para na verdade conseguir mascarar os seus próprios sentimentos. Ou a falta deles. Até o meio da adolescência eu fazia parte do grupo que simplesmente amava o Natal e contava os dias para as comemorações.



Minha família inteira se reunia e os “agregados” – como chamávamos os “quase parentes” – também chegavam com a sua alegria e seus presentes. Às vezes vinham só com a barriga e uma boa gargalhada para emoldurar a noite. Certas vezes chegávamos a ter quase 40 pessoas dentro de um apartamento. A confraternização era universal, pode-se dizer. Meus primos judeus também vinham e traziam seus amigos da mesma religião para celebrar e não foram raras as vezes em que vi o pai deles entrando feio na carne de porco. Porque era Natal tudo valia, tudo era permitido.
Lembro com alegria das vezes em que eu e meus primos fazíamos teatrinhos para a família. Era a maior festa. Dias de ensaio antes, dias de intensa alegria. A grande apresentação era pontuada pela gargalhada das “tias” velhas, que torciam por erros e improvisos – a chance da galhofa – e nós, crianças, esperávamos por elas, as gargalhadas, como bebê que espera pelo leite da mãe. Mamávamos gargalhadas. Ávidos pelas próximas e pelos aplausos ao fim da apresentação. O ponto alto de todos os tempos foi a peça Bia de Neve e os Dois Anões. Por falta de quorum, claro, os anões eram apenas dois (Mestre Ricardo e Dunga Danilo) e um deles ainda interpretava o espelho, espelho meu... E não dizem que o povo brasileiro é criativo? A inflação atingiu até a nossa versão do conto infantil.



Como em toda verdadeira história infantil, seus personagens foram crescendo. E o Natal que era totalmente mágico, começou a dar mostras de realidade. O valor dos presentes e a falta deles começaram a pesar. As crenças que eram uma ponte tornaram-se abismos. Os sentimentos passaram a ser compreendidos em sua forma real. Crescer é também compreender e a compreensão traz junto a si uma realidade nem sempre justa ou agradável. O número de pessoas foi diminuindo na mesma proporção que a minha tristeza foi aumentando. Passei a ser daquelas pessoas que odiavam o Natal, porque ele se tornou símbolo de quem não estava mais lá. Pior se tornou quando quem ficou passou a ser apenas uma lembrança e não uma doce presença. A saudade aperta nessa época do ano.


Como diria Rita Lee: “um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu devia fazer”.
Foi no ano passado. Uma das minhas tias tinha poucos dias de vida e eu resolvi fazer daquele Natal o mais especial possível para ela. À meia-noite, quando demos as mãos para orar, pedi para que uns olhássemos para os outros. O motivo de gratidão é que a nossa família estava junta, celebrando aquele momento. Quem não estava ali não importava, pois tínhamos uns aos outros. Em menos de um mês essa tia partiu (um dia eu conto essa linda história). Nesse Natal eu fiz questão de me lembrar dela, tia Norma. Na hora da prece, lembrei que ela estivera conosco no ano passado e que sempre estaria entre nós, porque seus exemplos ficaram e sua essência nunca morreria nas nossas lembranças. Disse que família é um laço instituído por Deus. E que no Natal, com o nascimento de Jesus, passamos a chamar Deus de Pai e a ter com Ele essa relação mais próxima. Nesse Natal, éramos apenas nove pessoas. As nove pessoas mais especiais de uma vida inteira.

21.12.07

Viva O JORGE!



Quero sua risada mais gostosa / Esse seu jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa... / Quero sua alegria escandalosa / Vitoriosa por não ter vergonha de aprender como se goza... / Quero toda sua boca castidade / Quero toda sua louca liberdade / Quero toda essa vontade de passar dos seus limites e ir além, e ir além... / Quero sua risada mais gostosa / Esse seu jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa; que a vida pode ser maravilhosa... Vitoriosa, composição Ivan Lins & Vitor Martins




“Amigos são aqueles que ajudam a nos colocar de pé, quando nossas asas esquecem como voar. Um amigo é alguém que sabe a canção de seu coração e pode cantá-la quando você tiver esquecido a letra. Grande parte da vitalidade de uma amizade reside no respeito pelas diferenças, não apenas em desfrutar das semelhanças. Um verdadeiro amigo é alguém que te conhece tal como és, compreende onde tens estado, acompanha-te em teus lucros e teus fracassos, celebra tuas alegrias, compartilha tua dor e jamais te julga por teus erros. A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delicia da companhia. É a inspiração espiritual, que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você.” Jorge é assim, uma pessoa indefinível em palavras, inexprimível em sentimentos, inigualável em companhia. Jorge foi um presente que encontrei em meio a um vendaval de sentimentos contraditórios e expectativas incompreensíveis. Essa homenagem ainda é pouca para expressar o peso que ele tem na minha vida e o espaço que conquistou em tão pouco tempo. Essa é a minha lembrança de aniversário para uma das pessoas mais espetaculares que conheço e ainda é pequena diante da minha admiração por ele. Jorge, parabéns!!!

Coração do Agreste - parte II

Quadro de Romero Britto




*Quero comentar essa letra, que é maravilhosa! Mais um exemplo do casamento perfeito entre a poesia e a melodia. Ela foi tema da novela Tieta, que esteve no ar de 14 de agosto de 1989 a 31 de março de 1990, e nunca mais saiu da minha cabeça. Tem certos momentos da vida que tem a trilha sonora perfeita e evocamos no sentido de emular sentimentos. Fim de ano a gente acaba passando em revista tudo o que viveu, lembrando coisas tristes e principalmente as conquistas e coisas boas que tivemos a chance de experimentar. Ainda não fiz o meu balanço definitivo, deixo isso para depois do Natal, mas o contágio desse espírito do balancete anual acaba sendo inevitável. Relembrar, renovar, reproduzir, recomeçar, replanejar. Tudo ao mesmo tempo agora. E como para mim fim de ano trás junto a si uma certa melancolia, essa música cai como uma luva.
Saulo deixou um recado aqui no blog com a seguinte frase: “gosto quando surge uma letrinha de música!!! Simplesmente... cantante!!”. Ele é suspeito para falar, porque crescemos juntos vendo a vida em letra e música. Somos de uma Família Dó, Ré, Mi. Então meus textos com música são praticamente a expressão do meu eu. “Anamana” diz que eu me exponho demais aqui, mas a verdade é que a nossa vida é uma constante exposição e assim como eu não tenho nada a declarar, também não tenho nada a esconder. E que meus exemplos sejam fonte de inspiração para tornar a vida de outras pessoas um pouco mais feliz, um pouco mais leve, um pouco mais prática e muito mais...cantante!!



Voltando ao Coração do Agreste, acho que a música mostra a transformação de uma menina em mulher; fala de volta para casa; fala de evolução e principalmente falar em recomeçar mais forte, mais experiente diante de uma frustração. Quando o anzol da paixão a machucou, além de peixe, de caça, ela se torna o seu próprio pescador, dona de si. Acho isso bárbaro! Imagine as flores de algodão no coração seco e árido do agreste? Até na paisagem mais dura e cruenta, a beleza é capaz de nascer ou renascer. Gosto muito da frase que diz:
Quando eu morava aqui, olhava o mar azul no afã de ir e vir”.




Quantas vezes você já fitou o mar e pensou na vida? Lulu Santos diz na música que “a vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito”. Acho que Coração do Agreste versa sobre o mesmo tema. Ela olha o mar querendo ir além, mas sabe que vai voltar. Por isso fez da saudade a felicidade pra voltar. Quantas vezes imos e com vontade de voltar? E quantas vezes voltamos apenas em pensamento para aquele lugar especial? Hoje, estou voltando a lugares especiais dentro do meu coração. Experimente também, porque essa é a melhor viagem da vida.

20.12.07

Coração do Agreste


Quadro de Beatriz Milhazes


Regressar é reunir dois lados à dor do dia de partir com os seus fios enredados na alegria de sentir / Que a velha mágoa é moça temporã, seu belo noivo é o amanhã / Eu voltei para juntar pedaços de tanta coisa que passei / Da infância abriu-se um laço nas mãos do homem que eu amei / O anzol dessa paixão me machucou /Hoje sou peixe e sou meu próprio pescador /E eu voltei no curso revi o meu percurso me perdi no leste / E a alma renasceu em flores de algodão no coração do agreste / Quando eu morava aqui, olhava o mar azul no afã de ir e vir / Ah! Fiz de uma saudade a felicidade pra voltar aqui - na voz de Fafá de Belém; composição de Moacyr Luz e Aldir Blanc

19.12.07

Viva a Sofia



Se tem uma palavra que define meu atual estado de espírito é inquietação. A inquietude de ser, de estar, de viver, de não saber para onde ir, de se sentir presa. Pois é, hoje é um daqueles dias que custam a passar e você nem sabe muito bem o motivo... Acho que todo mundo já se sentiu dessa forma, pelo menos uma vez na vida. Não falo de ansiedade. Só sei que estou aqui, conversando com o papel, querendo escrever, mas sem vontade, querendo correr, mas presa ao relógio. “Mas o relógio está de mal comigo!”. Estou naqueles dias em que a gente pensa que a vida está estacionada lá fora, apenas esperando você sair desse transe louco que se chama mundo real.
Hoje estou me sentindo especialmente criativa, mas ao mesmo tempo tem uma névoa estranha que me leva a querer o não querer. Talvez eu esteja buscando o querer além do querer. Que vontade de descobrir o que é novo, de sair correndo pela rua, de tomar banho de chuva ao lado de alguém especial. A vida está me esperando lá fora, mas também está pulsando nas minhas veias. E ela bate com força, alerta, na expectativa de momentos ainda melhores. Esse é o querer mais que bem querer, é a vontade de sair ao encontro do futuro e fazer do hoje o melhor para o amanhã.
A mesa do meu trabalho está uma bagunça. Quem me conhece bem pode imaginar o “murundu” que isso aqui está. Nada fashion! Mas resolvi mudar um pouco o ambiente, como parte de um início de uma transformação interna. A gente não precisa de grandes mudanças para trazer humor ou beleza para a vida, ingredientes mais que necessários. Um brother, o Guto, trouxe para mim um presente – mandado pelo Ju Coutinho, a pessoa que para mim é símbolo de tantas coisas boas, do que é ser mulher, do que é ser humana, do que é ser feliz apesar de e ainda que – que tem um valor muito maior que eles possam imaginar: a foto do batizado da Sofia, filhinha deles.
Sofia está aqui, rindo para mim em frente ao meu computador, como símbolo da algo melhor que está por vir; como fonte de inspiração para sonhos teimosos que não me deixam, ainda bem! E que nesse fim de ano, as coisas boas se renovem, assim como se renovam as pessoas especiais como a Ju, através da Sofia. Quem pode resistir a esse olhinhos tão curiosos, prontos para desvendar o mundo!



Tem certos dias em que eu penso em minha gente / e sinto assim todo meu peito se apertar / Porque parece que acontece de repente / Como desejo de eu viver sem me notar / Igual a como quando eu passo no subúrbio e muito bem vindo de trem de algum lugar / Ai me dá uma inveja dessa gente, que vai frente sem nem ter com que contar / São casas simples com cadeiras na calçada e na fachada escrita em cima que é um lar / E na varanda cores tristes e baldias como a alegria de não ter onde encostar / Ai me dá uma tristeza no meu peito pelo despeito de eu não ter como lutar / Eu que não tenho, peço a Deus por minha gente / É gente humilde, que vontade de chorar / Gente Humilde, letra de Garoto, Vinicius de Moraes e Chico Buarque/1969 na voz de Angela Maria.

10.12.07

Ai, ai, ai


ADORO HOMENS DE BARBA

5.12.07

Te Dizer


Assunto sério. Queria compartilhar um pensamento ainda em construção, do tipo: não analisei todas as faces da questão. A resposta parece óbvia, mas quando tratamos com o elemento humano e seus múltiplos questionamentos, razões e intenções, nada é óbvio, nada é definitivo. Assim sendo, tenho pensado sobre maturidade...
Não falo sobre ciência, fatos históricos que aprendemos e que nos tornam pessoas mais experientes. Falo das experiências que vivemos e que moldam o nosso interior. Tem gente nova que é tão cheia de estofo e tanta gente adulta sem compromisso com a sua própria verdade. Por que será que é tão complicado ser alguém do seu tempo? Só Freud explica...

Certos questionamentos me enlouquecem. Por que será que ao longo da vida a gente tem a tendência de varrer nossos problemas para debaixo do tapete ao invés de simplesmente enfrentá-los? Por que será que constantemente a gente acaba se transformando naquilo que um certo grupo social espera de nós ao invés de sermos apenas aquilo que podemos/devemos/queremos ser? Por que será que o medo – a incompreensão que nos cerca – ou o orgulho – a arrogância que nos paralisa – que são tão letais à alma humana, acabam sendo as companhias mais constantes nas nossas relações?

Tudo isso é derivado de dois fatos que marcaram a minha vida na semana passada. Estava no trabalho com uma gripe medonha e febre. Todos os “coleguinhas” de camiseta e eu com dois casacos pesados: um vestido e o outro sobre os ombros. Tenho que confessar: minha estampa estava medonha! A cara era branca como cera, o cabelo despenteado e os casacos simplesmente não “conversaram” entre si. Era a imagem da derrota. O “JB”, meu anjo da guarda, mandou na lata: tira isso que está medonha! A “Lolô”, minha mentora, questionou: o que importa a opinião dos outros quando o que você mais precisa é se proteger do frio? Sábias palavras dela, mas ouvi o JB, afinal, baranga fashion está fora de moda e do dicionário. Fiquei no salto, mas a saúde foi para o saco.


Enfim...tudo isso para dizer que tenho um amigo que está passando por um problema que eu já experimentei. Minhas palavras não são suficientes para que ele perceba o caminho perigoso que escolheu. Queria poder fazer algo a respeito, mas a duras penas aprendi que só é ajudado quem quer ajuda. Também entendi que maturidade é muitas vezes você vivenciar uma experiência a fim de sair mais forte dela. A decisão não está nas minhas mãos, mas sei que vou estar ao lado dele por toda a vida. Maturidade, no meu caso é saber aceitar o tempo do outro. Difícil aprendizado, mas ao mesmo tempo, encantador.


Amigos pra sempre de Kathy Frizzell e Claire Cloninger: Tudo muda neste mundo / Estações que vem e vão / Poucas coisas duram sempre,/ Mas há porém a exceção. / Amigos pra sempre, juntos pelos laços do amor. /Amigos, sempre, com carinho, andando mão a mão / Nem o tempo apagará a nossa união./ Seu amigo sou no amor que não tem fim. / Somos filhos do Mestre,/ E estamos nós em seu cuidar / E nos diz que nós devemos,/ Seu amor compartilhar. E mesmo que um dia diga adeus /Sempre juntos estaremos / Aqui eis a razão: / Seu amigo sou no amor que não tem fim.

3.12.07

Meio Bunda...


Longo período sem escrever. Hoje eu me forcei a voltar a colocar os pensamentos no papel, mas me sinto estranha, um pouco sem treino, talvez...Sabe quando a gente vem num ritmo bacana de ginástica ou corrida e fica umas semanas sem praticar e quando volta, você já é outra pessoa? Me sinto exatamente dessa maneira. Nada parece “caber”, nem o dia. As palavras não estão cabendo no papel, na tela. Sensação mais estranha, mas vamos em frente!
Fiquei bem mal nessas duas últimas semanas. Dois tipos de dodóis diferentes me tiraram do sério. E quando falta saúde na nossa história, é como se nela também faltasse a cor. Muita coisa bacana me aconteceu, mas queria estar com a mão e a mente mais treinados para contar aqui. Cada fato merece ser contado com dignidade, para que no futuro, ao reler os meus escritos, cada pegada na estrada da vida tenha a marca certa, a força exata.
Por hoje, queria deixar um trecho de uma música da Teresa Cristina que ouvi no rádio e achei a minha cara:

Cantar / Desnudar-se diante da vida / Cantar é vestir-se com a voz que se tem / Achar o tom da alegria perdida / E não ter que explicar pra ninguém / A razão desta tal melodia / Encharcada de sorriso e pranto / No cantar a lembrança se cria / E envelhece de repente / Vai solta no ar / Por isso eu canto / Canto para amenizar / Grande dor que me traz / O sorriso de alguém / Se a minha escola querida / Cruzar a avenida / Eu canto também / No canto / Vou jogando a minha vida pra você / Por isso, fecho os olhos pra não ver


E para que esse momento bunda passe logo, nada melhor que ouvir uma boa música. A música e eu somos destinadas uma a outra. Ela não compõe o enredo da minha história, mas é parte integrante, alimento necessário. Vou colocar o “fone”, escolher uma musiquinha bem agitada e me deixar levar pelo beat. Geralmente começo a dançar e como estou no escritório, sabe Deus como essa história termina...Vocês me conhecem!

23.11.07

A vida é mesmo assim...


Não existiria som se não houvesse o silêncio
Não haveria luz se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim

Cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer
Tudo que cala fala mais alto ao coração
Silenciosamente
Eu te falo com paixão

Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncio e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer

A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim

Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncio e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer
(E digo)

15.11.07

Fotos de Patrick Demarchelier



"Dizem que eu finjo ou minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação." FERNANDO PESSOA



"Às vezes as pessoas deixam que os mesmos problemas as tornem infelizes por anos à fio, quando deveriam dizer apenas e daí? Essa é uma das minhas expressões favoritas; e daí? minha mãe não gostava de mim. E daí? Meu marido não faz amor comigo. E daí? Não sei como consegui sobreviver aqueles anos todos, antes de aprender esse truque. Custei muito a aprendê-lo - mas uma vez que a gente aprende, nunca mais esquece". Dos diários de ANDY WARHOL




“Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações”. MARCEL PROUST




"Parei as águas do meu sonho para teu rosto se mirar. Mas só a sombra dos meus olhos ficou por cima, a procurar...Os pássaros da madrugada não têm coragem de cantar, vendo o meu sonho interminável e a esperança do meu olhar. Procurei-te em vão pela terra, perto do céu, por sobre o mar. Se não chegas nem pelo sonho, por que insisto em te imaginar? Quando vierem fechar meus olhos, talvez não se deixem fechar. Talvez pensem que o tempo volta, e que vens, se o tempo voltar." CECÍLIA MEIRELLES




"É um péssimo cozinheiro aquele que não pode lamber os próprios dedos." WILLIAM SHAKESPEARE



"Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não tenham nada em comum, somente compartilhar as mesmas recordações." VINÍCIUS DE MORAES

WHO?



QUEM É ELE?


Aderbal Freire-Filho nasceu em 1941 em Fortaleza (CE) e começou a fazer teatro ainda adolescente, em 1954, atuando inicialmente em grupos amadores. Formou-se em Direito no Ceará em 1966, mas não exerceu a advocacia. Mudou-se para o Rio em 1970, e apresentou-se como ator em Diário de um Louco, de Nikolai Gogol, montado dentro de um ônibus que circulava pelas ruas da cidade. Em 72 assinou sua primeira direção no Rio, com O Cordão Umbilical, de Mário Prata. O sucesso nacional de Apareceu a Margarida, no ano seguinte, firmou-o como uma das figuras destacadas da nova safra de profissionais da época, que incluía Celso Nunes, Amir Haddad e Silney Siqueira. Assinou a encenação de mais de 40 espetáculos, entre eles óperas e sucessos como A Morte de Danton, de Büchner, O Tiro Que Mudou a História, que recriou o suicídio de Getúlio Vargas e se passa no Palácio do Catete, O Homem Que Viu o Disco Voador, de Flávio Márcio, A Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, e Tio Vânia, de Anton Tchecov, entre outros. A consagração se deu com A Prova e O Que Diz Molero, que lhe valeram o Prêmio Shell (citado no post anterior)

QUEM É ELA?

ELA É PODEROSA!



O Chico Buarque fez uma linda música de amor em homenagem à ela (deleitem-se, por favor, com muito lirimso no pensamento):


Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu

Amor Maduro

A primeira vez que vi Tereza / Achei que ela tinha pernas estúpidas / Achei também que a cara parecia uma perna / Quando vi Tereza de novo /Achei que os olhos eram muito mais velhos do que o resto do corpo / (os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse). / Da terceira vez não vi mais nada / Os céus se misturaram com a terra / E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águasTereza de Manuel Bandeira


Nunca fui acostumada a decorar versinhos. Também não tenho por hábito me lembrar das poesias, embora elas me emocionem, mesmo quando estou num very irrésistible moment. Contrariando o curso normal dos acontecimentos, este poema de Manuel Bandeira foi a primeira coisa que veio à mente para ilustrar a impressão da semana...



A primeira que vez que vi o diretor teatral Aderbal Freire-Filho foi justamente em um palco. Era a entrega do Prêmio Shell de Teatro no Armazém 5 do Cais do Porto. Ano de 2003, mês de maio. Naquela ocasião ele era uma perna para mim. Ele era “algo” que eu não podia compreender. Foi o vencedor da categoria Melhor Diretor e subiu ao palco, ovacionado pela platéia. Seu discurso, loooooongo, soou meio desconexo. Hoje, voltando a lembrar daquele dia, acho que me irritei por considerá-lo uma perna. E ele era a perna mais cabeluda que eu já tinha visto na vida.



A segunda vez que vi Aderbal Freire-Filho, a situação era exatamente a mesma. Ano de 2004, mês de abril. Me senti presa em um déjà vu. Evento, local e troféus eram os mesmos. E ele ainda era aquele cabeludo, barbudo, de óculos, extasiado de felicidade pelo bicampeonato – por O Que Diz Molero. Mas já não parecia mais uma perna. Eu já sabia seu nome e que o discurso seria loooooongo. Mas, surpresa, naquele ano ele disse que não falaria muito. Eu já estava até achando o sujeito simpático. Fez o mesmo discurso inflamado, mas soube colocar bem as palavras. Parecia apaixonado...e já devia estar...(*explico mais à frente).


Não lembro a primeira vez que vi Marieta Severo, mas para mim ela sempre foi a essência feminina do poder. Não aquele garantido pela força, mas o conquistado através de um simples olhar. Acho que a primeira vez que tive que abordá-la foi na casa da Betty Faria, num aniversário cheio de gente poderosa e eu, a estranha à trabalho. Me senti o Nemo num aquário de tubarões. Naquela noite, porém, ela foi absolutamente maravilhosa comigo. Fiquei meio boba, meio que segurando o queixo.
A primeira vez que escrevi sobre Marieta, fiz uma matéria muito bonitinha, sobre a animação dela. Adivinha aonde? Na entrega do Prêmio Shell de Teatro. Ano 2003, mês de maio. O título era: Marieta exibe seu lado pé-de-valsa. Uma das frases dela dizia:
“Fui eu que li o texto de A Prova e na hora percebi que era a Andréa Beltrão quem tinha que interpretá-lo”, elogiou Marieta, que fechou a noite celebrando a vitória da amiga — e de Aderbal Freire-Filho (61), o melhor diretor, pela mesma peça — na pista de dança.
Além de conhecer, Marieta também tinha uma ligação com Aderbal.

No ano seguinte, adivinha? Fiz outra matéria sobre “a atriz dançante + seus rebentos pula-pula” no mesmo prêmio. O título era: As Herdeiras de Marieta Severo. Voltando o meu pensamento para aquele ano, Marieta também parecia diferente...

Juntando os fatos hoje, acho que o amor estava no ar e ninguém podia imaginar e tampouco ver. Estava rolando algo entre esses dois! E eu estava lá, in the very moment! Muito louco perceber a materialização de um sentimento. Ela deu um entrevista para a Contigo em maio de 2004 e ao ser perguntada se estava com alguém, desconversou. O namoro só foi assumido em setembro. Claro, a mulher teve um casamento de 30 anos com Chico Buarque e ficou sete anos sem ninguém (aparentemente).




Em Tereza, Manuel Bandeira assinala a trajetória do conhecimento à paixão com surpreendentes imagens que começam com a estupidez das pernas da moça e terminam com uma espécie de convulsão apocalíptica, como se o amor tivesse um caráter surreal e divino. Essa semana topei com Aderbal duas vezes e confesso: estou apaixonada por ele! (nem preciso dizer que o fato dele ser coroa e de ter uma barba safada faz com que ganhe muitos pontos, né?) Um êxtase que não tem nada de sexual, mas uma admiração profunda e completa que me toma. E olha o que o amor de uma mulher – a Marieta (claro!) –, pode fazer: aquele cabeludo, barbudo, de óculos e fala desconexa, cortou o cabelo, aparou a barba e está borboletando pela cidade ao lado de uma mulher incrível com cara de apaixonado! (Extreme Makeover)


Ah, l’amour...
Chico Buarque com aquela pele caída no rosto e Aderbal bombando com a barba safada (tsc, tsc, tsc). Vida longa ao casal e um brinde ao amor maduro!

11.11.07

Prazer & Dor S/A



Ontem fui fazer as unhas. Depois de séculos de compulsão, eu finalmente as deixei crescer, vencendo uma dura batalha contra mim mesma. E essa foi definitivamente uma vitória que só quem rói unha conhece bem. A dureza da batalha e a glória da vitória andam de mãos dadas. A vigilância é permanente, mas o prazer de vê-las grandes é indescritível. Claro que acho sofrível ter de ficar 40 minutos tendo as cutículas arrancadas por uma estranha, que procura saber cada episódio da sua vida, como se ela fosse uma novela. Realmente essa intimidade de porta de botequim me incomoda, mas é o preço que se paga para ter as mãos dignas.

Há algumas semanas estava conversando com o “F” sobre nossas escolhas. Eu escolhi parar de roer unha e a decisão interna teve que ser bem trabalhada num processo. Não falávamos de unha, claro, mas no meio do papo eu disse:
“toda a escolha também é uma renúncia”.
Foi o momento perfeito para fazer tal colocação tanto para ele, quanto para mim. Fico impressionada em perceber que muitas vezes o conselho dado à outra pessoa acaba sendo aquilo que você precisa ouvir. Tem muita gente que tem dificuldade em falar sobre seus sentimentos e isso, na minha opinião, deve ser angustiante. A palavra dita é libertadora. Toda vez que a gente fala o que sente, escutamos, na mesma medida, o que precisamos entender sobre nós mesmos. Isso reforça a ação necessária, quando temos coragem de partir para o ataque, é claro.

Meus amigos representam uma generosa fatia no meu mundo. É através deles que meus questionamentos, atitudes, virtudes, dúvidas são colocados à baila, testados, transformados e/ou reforçados. Quando sou questionada, também sou desafiada internamente. E aceitar o desafio é fazer uma escolha por uma conduta de vida, baseada em experiência e valores. E além de saber que toda escolha traz em si uma renúncia, é importante ter em mente que prazer e dor andam juntos. Como em uma moeda, cada um tem a sua face, mas ambos fazem parte de um mesmo objeto, são inseparáveis.


Esse ensinamento ganhou forma quando estive com o ator Caco Ciocler. Ele me disse que quando percebeu, na terapia, que não era vítima das circunstâncias, mas o agente de suas atitudes e escolhas, foi libertador. Se o prazer e a dor andam juntos e você é o centro da sua vida e das suas ações – que causam reações contrárias na mesma intensidade e medida – sua escolha é também a não escolha.

Fundamental é lembrar que ninguém pode viver em dois lados ou desfrutar apenas de uma das faces da moeda. E se escolhemos ficar em cima do muro, vemos apenas a vida passar e não nos tornamos objetos participativos. Ninguém quer ser a ameba do universo, mas freqüentemente fazemos tal escolha e deixamos a vida passar.

Voltemos para o salão de beleza, onde fiz as unhas. Lá encontrei uma velhinha de 93 anos, que usa o salão como um clube de comadres, onde ela faz a vida ter sentido. A manicure fez uma brincadeira sobre namorados e ela não ficou de fora. Claro, ela encarava como uma piada, mas ainda assim a vovó mostrava-se animada com a idéia. Eu tenho uma tia-avó que se casou com 80 anos. Até hoje ela é uma senhora linda, de expressivos olhos azuis. O coroa dela tinha 90 e eles foram muitos felizes até a morte dele. Ela não desistiu de ser o agente da vida dela, mesmo que todos achassem a idéia absurda. A alegria dela era fazer a sopinha para aquela boca sem dente. A dele, era receber a sopinha das mãos dela. Prazer da companhia e dor da ausência. A vida nos faz eternos convites e nunca é tarde demais para aceitá-los.

10.11.07

Resposta



Bem mais que o tempo /Que nós perdemos /Ficou prá trás também o que nos juntou... Ainda lembro /Que eu estava lendo /Só prá saber o que você achou dos versos que eu fiz e ainda espero resposta... /Desfaz o vento /O que há por dentro /Desse lugar que ninguém mais pisou.../ Você está vendo /O que está acontecendo /Nesse caderno sei que ainda estão.../Os versos seus /Tão meus que peço /Nos versos meus, tão seus que esperem que os aceite.../Em paz eu digo que eu sou o antigo do que vai adiante /Sem mais eu fico onde estou, prefiro continuar distante... By Samuel Rosa e Nando Reis

9.11.07

Contato Humano

A semana começou com a entrega do Prêmio Contigo de Teatro. E na matéria sobre o evento, li uma frase da Letícia Spiller que me tocou:
“Espero que em meio à tecnologia deste mundo moderno prevaleça sempre o contato humano”.
Fiquei pensando nessa frase até hoje...Adoro a tecnologia, porque ela facilita a minha vida, me aproxima de gente que está tão longe, me ajuda a manter contato com quem está perto, me abre uma janela de opções para aprender e evoluir como pessoa e tantas outras coisas. Mas...confesso que tenho certa dificuldade em aprender sobre seus mecanismos. Sempre me assusto ao perceber que existem crianças que sabem usar o computador melhor que eu. Elas já nasceram inseridas na era tecnológica, enquanto eu tive que me adequar a ela. Sim! Confesso sob tortura, que já usei máquina de escrever.
Aquela boa e velha máquina de tortura de dedo com sininho ao fim da linha e uma fita ensebada que vez ou outra precisava ser trocada. Foi nela que desenvolvi a técnica olímpica de digitação veloz em dois dedos.

E foi justamente por observar espantada essas tais crianças biônicas que parei de rir toda vez que via a minha mãe “batendo um papo” com o microondas ou com a (nova) máquina de lavar. Era quase sempre a mesma cena: dedo em riste, cara de quem tem milhares de dúvidas e um pedido especial a Deus para escolher o botão certo. Afinal, naquela geringonça, só mesmo com a ajuda superior. Depois da escolha, era a torcida do “vamos lá máquina, me ajuda!”, com tanto fervor quanto o torcedor brasileiro pedindo para o Taffarel pegar o pênalti na final da Copa do Estados Unidos. Pra frente Brasil! Pra frente mãe! Como em todo jogo, tem horas que ela dá bola fora...


Voltando à história da frase, a palavra contato humano me agrada demais. Sempre soube que um abraço tem poderes terapêuticos e o uso bem mais que a dose medicinal recomendada. Fiquei com muito medo da Internet esfriar as relações, mas vejo, com grata surpresa, que na maioria das vezes o contrário acontece. Vide orkut, as salas de bate papo e até os blogs. Queria que mesmo protegida pela tela, as minhas palavras fossem fonte de calor humano. O Luke uma vez me escreveu a seguinte definição:


“O cyber espaço é onde as pessoas existem sem corpo físico. É, por incrível que pareça, o lugar onde as pessoas podem ser mais próximas de si mesmas. O lugar onde não há máscaras ou rostos. É onde nos desprovemos da matéria e conversamos na real, onde não olhamos a roupa que o outro está vestindo ou quanto o outro está pesando. Todo mundo pode tudo e, por isso mesmo, nada material tem valor. Você não sabe nem qual o computador da outra pessoa.
O cyber espaço só é problemático quando as pessoas tentam trazê-lo para o mundo físico. Enquanto permanecemos no mundo cibernético, as pessoas têm que conquistar as outras pelo papo, pelo interesse intelectual. Aqui, você vale o que você é, não o que você tem”.
Eu só acrescentaria que não há máscaras, porque não há rostos. E você pode ser quem você quiser, até quem você tem medo de tentar ser na realidade...
Justamente por ser o blog um cyber espaço destinado a todos e a qualquer um, decidi não colocar aqui o que eu estava escrevendo na conta de telefone no metrô. Não por medo de revelar-me, mas porque perde-se o interesse quando a gente se revela por inteiro, como se isso fosse uma biografia. Cada história traz em si uma nova história, como os contos de Sherazade em As Mil e Uma Noites. Prefiro revelar-me aos poucos, como se preciso fosse deixar cair os véus ou as máscaras ou as cicatrizes, o que mais interessar.

8.11.07

De Olho No Vizinho


Ontem tive que pegar o metrô para uma daquelas viagens longas e chatas. Quando não tenho uma pessoa ou leitura para me acompanhar, as soluções mais práticas são: 1) Observar as pessoas e suas manias, sem, contudo, julgá-las. Imaginar a história de vida de cada uma delas, analisando de roupas a atitudes. Quando rola um papo ao celular é mais engraçado ainda, porque a intimidade dos outros invade a minha própria e certos atos reforçam a máxima de que de médicos e loucos todos nós temos um pouco. Mas era noite e me faltava o acessório básico para essa missão: meus óculos escuros indefectíveis. Sem eles, eu sou tímida. 2) Pegar um papel e uma caneta e começar a fazer listas das coisas que tenho pendentes , à resolver e/ou realizar. 3) Ficar lembrando de coisas da infância, revendo fatos e rememorando histórias e sensações. Me perco nesses pensamentos e as vezes começo a rir sozinha, baixinho, é claro, como se ninguém mais à minha volta tivesse importância. E tudo o mais deixa de ter mesmo! Adoro esse universo particular.

Durante essa tal viagem, me veio uma baita inspiração e uni os itens 2 e 3. Abri o baú da memória e procurei por papel e caneta dentro da minha bolsa. Ironicamente, não tinha um bloquinho para anotar as lembranças. Mas, como gosto de improvisar, peguei a minha conta de celular - já paga - e comecei a escrever. Quase pedi à moça sentada ao meu lado para me emprestar a revista que ela não estava lendo, seria o apoio perfeito. Achei, a tempo, que seria muita cara de pau. Tem muitos momentos em que eu perco mesmo a medida em nome das soluções práticas e plausíveis. As minhas soluções. Depois até me arrependi, já que a tal moça ficou tentando ler o que eu escrevia. TENTANDO...Acho que ela também queria uma distração para a viagem dela e achou, no mínimo, fato curioso uma pessoa sacar da bolsa uma conta de celular e começar a escrever sem parar em letras miúdas, swingando no compasso do metrô, já que o meu apoio foi a própria bolsa. Tem horas que a gente é mesmo de circo.
Eu ri da dificuldade que ela estava tendo ao tentar ler as letras miúdas e pensei: ta vendo? Não quis me emprestar a revista, agora, vai ter que rebolar para entender o que eu escrevi. Coitada, nem percebeu que eu descontava nela a vergonha de fazer um pedido estranho: moça, me empresta essa sua revista ai de baixo? rsrsrsrs
Duas notas de rodapé. 1) Eu sempre ficava me perguntando porque as operadoras de celular gastavam tanto papel em uma conta. Além da propaganda que sempre vem no envelope, a gente recebe o recido da conta detalhada e mais um papel que parece resumir o principal. A resposta não tardou a ser comprovada: graças a Deus eles fazem isso! Só assim a minha viagem cheia de tédio pôde se tornar um momento de ócio criativo (rememorando o post de ontem). Alguém já viu outra atividade prática para tal desperdício? Aviãozinho não vale...se bem que... muitos papéis que viraram barquinhos já me salvaram de grandes aborrecimentos. Mas isso é história para outro texto. Posts para o bdbblog (Bibi De Bicicleta Blog) por favor!

2) Há algum tempo eu ficava para morrer com aquelas pessoas que “filam” a sua leitura no metrô e no ônibus. Eu achava cara de pau alguém ficar lendo junto com você, que gastou grana, tempo e energia tentando equilibrar o jornal standard (jumbo)num veículo em movimento. E quem nunca sofreu desse mal, que atire a primeira pedra! Vai me dizer que não é quase irresistível alguém abrir qualquer coisa para ler e o ato não chamar a atenção de quem está de volta. Se a chamada for fofca então...Fica quase um time de futebol enfileirado para a foto oficial do jogo atrás de você. Quando a raiva sobe, você fica ali, esperando a hora certa para dar o troco no vizinho "entrão" e virar a página justo na hora em que ele se mostra mais interessado. Tem gente que chega a respirar fundo! A roer unha! Já fizeram isso comigo, by the way. Até que um dia...eu conheci uma pessoa que não ficava perturbada pelo colega estar filando descaradamente o seu jornal. Pelo contrário, ela ficava nervosa, porque não sabia se já podia virar a página. Quase perguntava: posso virar? Senha básica para o início de um papinho sobre a notícia. Depois de morrer de rir, fiquei como?! Uma pessoa que se propõe a levar informação às outras, não pode ter esses pudores de compartilhar justamente a informação que se tem em mãos. Essa é a verdadeira notícia em tempo real: o tempo real de ler. Hoje, conservo o vício de observar pelo canto de olho com certo incômodo meus companheiros de leitura, mas isso já não me perturba mais.


Para encurtar essa história, que já virou uma crônica dos dias modernos, vamos ao resultado, senhoras e senhores. Escrevi naquele papel melequento e com garranchos miúdos algumas das minhas memórias, de forma poética e sem muito padrão. Não sei ainda no que vai dar (o resultado, provavelmente, estará no próximo post), mas tenho que confessar que foi muito gostoso lembrar do tempo em que brincava na rua, em que estudar era a grande responsabilidade do universo. Todas essas coisas são, em si mesmas e com suas devidas importâncias, responsáveis pela formação de quem sou. E mais, do que ainda quero ser e do que não é e nem será mais uma escolha.

Malandragem

Quem sabe eu ainda
Sou uma garotinha
Esperando o ônibus
Da escola, sozinha...
Cansada com minhas
Meias três quartos
Rezando baixo
Pelos cantos
Por ser uma menina má...
Quem sabe o príncipe
Virou um chato
Que vive dando
No meu saco
Quem sabe a vida
É não sonhar...
Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança
E não conheço a verdade
Eu sou poeta
E não aprendi a amar
Eu sou poeta
E não aprendi a amar...
Bobeira
É não viver a realidade
E eu ainda tenho
Uma tarde inteira...
Eu ando nas ruas
Eu troco cheque
Mudo uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo
Prá cantar...




Uma homenagem à Julia - filha de uma grande amiga de muitos encontros e tantos loucos momentos - que na foto faz o que eu queria estar fazendo com muito mais freqüência, no lugar dos meus sonhos. Julia habita esse lugar, duplamente.

7.11.07

Vai um curso ai?


Fiquei muitos dias sem escrever aqui. Não posso dizer que foi por falta de inspiração, já que muitos assuntos me passaram pela cabeça, pela vida ou simplesmente “me caíram” nas mãos. Foi pura falta de tempo e isso me perturba demais. Tem certas horas em que penso que o desafio maior é existir com dignidade. Que tempo é esse que nós vivemos?
Outro dia estava falando sobre hobbies. Gostaria de tê-los, mas ao tê-los, como exercê-los? Sou um fim sem um meio ou um meio sem fim... Feliz foi o sociólogo italiano Domenico de Masi que formulou com sagacidade a teoria do Ócio Criativo. Segundo ele, vivemos em uma sociedade, chamada de pós-industrial, onde o homem é apenas mais um elemento produtivo, não há distribuição igualitária do poder, do saber e do trabalho e uma verdadeira obsessão consumista faz do homem um autômato sem tempo para desenvolver-se como um todo. Nossas horas de lazer são, portanto, mais uma compensação pelas horas trabalhadas do que verdadeiramente lazer. Domenico propõe a teoria que significa, então, um exercício do sincretismo entre atividade, lazer e estudo, propondo ao homem que ele se desenvolva em todas as suas dimensões. Um dia dividido entre hora de trabalhar, hora de criar, hora de descansar. Certa vez encontrei Domenico na Bienal do Livro. Um velhinho simpático que disse que tenta com vontade colocar em prática a sua teoria. Hoje, me pergunto: por que larguei a faculdade de sociologia? Rs


Acho abusadamente sadio quem consegue dividir seu tempo entre um trabalho burocrático, por exemplo, e um hábito totalmente oposto às suas “vocações” aparentes. Tenho um amigo, o “S-Ruivinho” que trabalha com design de revista e faz aula de tamborim. No começo, achava que era um hábito excêntrico, algo descolado que ele resolveu fazer como quem decide sair pela rua comendo mariola. Vai me dizer que não é uma “tiração de onda” um paulistano aprender tamborim e desfilar no carnaval carioca? O máximo! Até perceber que abusada mesmo era a dona "S" mãe do Franitos, outro amigo, que é fisioterapeuta estética e também faz aula de tamborim e pandeiro. Pior, o objetivo aparente dela é tocar num conjunto familiar chamado "Agonia do Samba". Na real, ela quer envelhecer sem deixar de ser “muderna”. Como dizia Cazuza, o tempo não pára!

Pois bem, justamente ao abrir o e-mail, vi que me mandaram umas opções de curso da Marcot. As opções? Strip-tease, pompoarismo e dança do colo – um misto de sedução e dominação. Wow! Sabe-se lá o que é isso!? Alguém se habilita a descobrir, por favor? Sinais dos tempos, minha amiga de Escorpião! Logo hoje, que a minha intenção infantil era entrar no google para buscar mais informações sobre o curso de direção para quem tem fobia de trânsito...Me senti Conduzindo Miss Dayse. Qual seria, então, a maior aventura? Ui!