23.11.07

A vida é mesmo assim...


Não existiria som se não houvesse o silêncio
Não haveria luz se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim

Cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer
Tudo que cala fala mais alto ao coração
Silenciosamente
Eu te falo com paixão

Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncio e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer

A vida é mesmo assim
Dia e noite, não e sim

Eu te amo calado
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncio e de luz
Nós somos medo e desejo
Somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer
(E digo)

15.11.07

Fotos de Patrick Demarchelier



"Dizem que eu finjo ou minto tudo o que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação." FERNANDO PESSOA



"Às vezes as pessoas deixam que os mesmos problemas as tornem infelizes por anos à fio, quando deveriam dizer apenas e daí? Essa é uma das minhas expressões favoritas; e daí? minha mãe não gostava de mim. E daí? Meu marido não faz amor comigo. E daí? Não sei como consegui sobreviver aqueles anos todos, antes de aprender esse truque. Custei muito a aprendê-lo - mas uma vez que a gente aprende, nunca mais esquece". Dos diários de ANDY WARHOL




“Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações”. MARCEL PROUST




"Parei as águas do meu sonho para teu rosto se mirar. Mas só a sombra dos meus olhos ficou por cima, a procurar...Os pássaros da madrugada não têm coragem de cantar, vendo o meu sonho interminável e a esperança do meu olhar. Procurei-te em vão pela terra, perto do céu, por sobre o mar. Se não chegas nem pelo sonho, por que insisto em te imaginar? Quando vierem fechar meus olhos, talvez não se deixem fechar. Talvez pensem que o tempo volta, e que vens, se o tempo voltar." CECÍLIA MEIRELLES




"É um péssimo cozinheiro aquele que não pode lamber os próprios dedos." WILLIAM SHAKESPEARE



"Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem, os amigos devem ser amigos para sempre, mesmo que não tenham nada em comum, somente compartilhar as mesmas recordações." VINÍCIUS DE MORAES

WHO?



QUEM É ELE?


Aderbal Freire-Filho nasceu em 1941 em Fortaleza (CE) e começou a fazer teatro ainda adolescente, em 1954, atuando inicialmente em grupos amadores. Formou-se em Direito no Ceará em 1966, mas não exerceu a advocacia. Mudou-se para o Rio em 1970, e apresentou-se como ator em Diário de um Louco, de Nikolai Gogol, montado dentro de um ônibus que circulava pelas ruas da cidade. Em 72 assinou sua primeira direção no Rio, com O Cordão Umbilical, de Mário Prata. O sucesso nacional de Apareceu a Margarida, no ano seguinte, firmou-o como uma das figuras destacadas da nova safra de profissionais da época, que incluía Celso Nunes, Amir Haddad e Silney Siqueira. Assinou a encenação de mais de 40 espetáculos, entre eles óperas e sucessos como A Morte de Danton, de Büchner, O Tiro Que Mudou a História, que recriou o suicídio de Getúlio Vargas e se passa no Palácio do Catete, O Homem Que Viu o Disco Voador, de Flávio Márcio, A Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, e Tio Vânia, de Anton Tchecov, entre outros. A consagração se deu com A Prova e O Que Diz Molero, que lhe valeram o Prêmio Shell (citado no post anterior)

QUEM É ELA?

ELA É PODEROSA!



O Chico Buarque fez uma linda música de amor em homenagem à ela (deleitem-se, por favor, com muito lirimso no pensamento):


Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu

Amor Maduro

A primeira vez que vi Tereza / Achei que ela tinha pernas estúpidas / Achei também que a cara parecia uma perna / Quando vi Tereza de novo /Achei que os olhos eram muito mais velhos do que o resto do corpo / (os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse). / Da terceira vez não vi mais nada / Os céus se misturaram com a terra / E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águasTereza de Manuel Bandeira


Nunca fui acostumada a decorar versinhos. Também não tenho por hábito me lembrar das poesias, embora elas me emocionem, mesmo quando estou num very irrésistible moment. Contrariando o curso normal dos acontecimentos, este poema de Manuel Bandeira foi a primeira coisa que veio à mente para ilustrar a impressão da semana...



A primeira que vez que vi o diretor teatral Aderbal Freire-Filho foi justamente em um palco. Era a entrega do Prêmio Shell de Teatro no Armazém 5 do Cais do Porto. Ano de 2003, mês de maio. Naquela ocasião ele era uma perna para mim. Ele era “algo” que eu não podia compreender. Foi o vencedor da categoria Melhor Diretor e subiu ao palco, ovacionado pela platéia. Seu discurso, loooooongo, soou meio desconexo. Hoje, voltando a lembrar daquele dia, acho que me irritei por considerá-lo uma perna. E ele era a perna mais cabeluda que eu já tinha visto na vida.



A segunda vez que vi Aderbal Freire-Filho, a situação era exatamente a mesma. Ano de 2004, mês de abril. Me senti presa em um déjà vu. Evento, local e troféus eram os mesmos. E ele ainda era aquele cabeludo, barbudo, de óculos, extasiado de felicidade pelo bicampeonato – por O Que Diz Molero. Mas já não parecia mais uma perna. Eu já sabia seu nome e que o discurso seria loooooongo. Mas, surpresa, naquele ano ele disse que não falaria muito. Eu já estava até achando o sujeito simpático. Fez o mesmo discurso inflamado, mas soube colocar bem as palavras. Parecia apaixonado...e já devia estar...(*explico mais à frente).


Não lembro a primeira vez que vi Marieta Severo, mas para mim ela sempre foi a essência feminina do poder. Não aquele garantido pela força, mas o conquistado através de um simples olhar. Acho que a primeira vez que tive que abordá-la foi na casa da Betty Faria, num aniversário cheio de gente poderosa e eu, a estranha à trabalho. Me senti o Nemo num aquário de tubarões. Naquela noite, porém, ela foi absolutamente maravilhosa comigo. Fiquei meio boba, meio que segurando o queixo.
A primeira vez que escrevi sobre Marieta, fiz uma matéria muito bonitinha, sobre a animação dela. Adivinha aonde? Na entrega do Prêmio Shell de Teatro. Ano 2003, mês de maio. O título era: Marieta exibe seu lado pé-de-valsa. Uma das frases dela dizia:
“Fui eu que li o texto de A Prova e na hora percebi que era a Andréa Beltrão quem tinha que interpretá-lo”, elogiou Marieta, que fechou a noite celebrando a vitória da amiga — e de Aderbal Freire-Filho (61), o melhor diretor, pela mesma peça — na pista de dança.
Além de conhecer, Marieta também tinha uma ligação com Aderbal.

No ano seguinte, adivinha? Fiz outra matéria sobre “a atriz dançante + seus rebentos pula-pula” no mesmo prêmio. O título era: As Herdeiras de Marieta Severo. Voltando o meu pensamento para aquele ano, Marieta também parecia diferente...

Juntando os fatos hoje, acho que o amor estava no ar e ninguém podia imaginar e tampouco ver. Estava rolando algo entre esses dois! E eu estava lá, in the very moment! Muito louco perceber a materialização de um sentimento. Ela deu um entrevista para a Contigo em maio de 2004 e ao ser perguntada se estava com alguém, desconversou. O namoro só foi assumido em setembro. Claro, a mulher teve um casamento de 30 anos com Chico Buarque e ficou sete anos sem ninguém (aparentemente).




Em Tereza, Manuel Bandeira assinala a trajetória do conhecimento à paixão com surpreendentes imagens que começam com a estupidez das pernas da moça e terminam com uma espécie de convulsão apocalíptica, como se o amor tivesse um caráter surreal e divino. Essa semana topei com Aderbal duas vezes e confesso: estou apaixonada por ele! (nem preciso dizer que o fato dele ser coroa e de ter uma barba safada faz com que ganhe muitos pontos, né?) Um êxtase que não tem nada de sexual, mas uma admiração profunda e completa que me toma. E olha o que o amor de uma mulher – a Marieta (claro!) –, pode fazer: aquele cabeludo, barbudo, de óculos e fala desconexa, cortou o cabelo, aparou a barba e está borboletando pela cidade ao lado de uma mulher incrível com cara de apaixonado! (Extreme Makeover)


Ah, l’amour...
Chico Buarque com aquela pele caída no rosto e Aderbal bombando com a barba safada (tsc, tsc, tsc). Vida longa ao casal e um brinde ao amor maduro!

11.11.07

Prazer & Dor S/A



Ontem fui fazer as unhas. Depois de séculos de compulsão, eu finalmente as deixei crescer, vencendo uma dura batalha contra mim mesma. E essa foi definitivamente uma vitória que só quem rói unha conhece bem. A dureza da batalha e a glória da vitória andam de mãos dadas. A vigilância é permanente, mas o prazer de vê-las grandes é indescritível. Claro que acho sofrível ter de ficar 40 minutos tendo as cutículas arrancadas por uma estranha, que procura saber cada episódio da sua vida, como se ela fosse uma novela. Realmente essa intimidade de porta de botequim me incomoda, mas é o preço que se paga para ter as mãos dignas.

Há algumas semanas estava conversando com o “F” sobre nossas escolhas. Eu escolhi parar de roer unha e a decisão interna teve que ser bem trabalhada num processo. Não falávamos de unha, claro, mas no meio do papo eu disse:
“toda a escolha também é uma renúncia”.
Foi o momento perfeito para fazer tal colocação tanto para ele, quanto para mim. Fico impressionada em perceber que muitas vezes o conselho dado à outra pessoa acaba sendo aquilo que você precisa ouvir. Tem muita gente que tem dificuldade em falar sobre seus sentimentos e isso, na minha opinião, deve ser angustiante. A palavra dita é libertadora. Toda vez que a gente fala o que sente, escutamos, na mesma medida, o que precisamos entender sobre nós mesmos. Isso reforça a ação necessária, quando temos coragem de partir para o ataque, é claro.

Meus amigos representam uma generosa fatia no meu mundo. É através deles que meus questionamentos, atitudes, virtudes, dúvidas são colocados à baila, testados, transformados e/ou reforçados. Quando sou questionada, também sou desafiada internamente. E aceitar o desafio é fazer uma escolha por uma conduta de vida, baseada em experiência e valores. E além de saber que toda escolha traz em si uma renúncia, é importante ter em mente que prazer e dor andam juntos. Como em uma moeda, cada um tem a sua face, mas ambos fazem parte de um mesmo objeto, são inseparáveis.


Esse ensinamento ganhou forma quando estive com o ator Caco Ciocler. Ele me disse que quando percebeu, na terapia, que não era vítima das circunstâncias, mas o agente de suas atitudes e escolhas, foi libertador. Se o prazer e a dor andam juntos e você é o centro da sua vida e das suas ações – que causam reações contrárias na mesma intensidade e medida – sua escolha é também a não escolha.

Fundamental é lembrar que ninguém pode viver em dois lados ou desfrutar apenas de uma das faces da moeda. E se escolhemos ficar em cima do muro, vemos apenas a vida passar e não nos tornamos objetos participativos. Ninguém quer ser a ameba do universo, mas freqüentemente fazemos tal escolha e deixamos a vida passar.

Voltemos para o salão de beleza, onde fiz as unhas. Lá encontrei uma velhinha de 93 anos, que usa o salão como um clube de comadres, onde ela faz a vida ter sentido. A manicure fez uma brincadeira sobre namorados e ela não ficou de fora. Claro, ela encarava como uma piada, mas ainda assim a vovó mostrava-se animada com a idéia. Eu tenho uma tia-avó que se casou com 80 anos. Até hoje ela é uma senhora linda, de expressivos olhos azuis. O coroa dela tinha 90 e eles foram muitos felizes até a morte dele. Ela não desistiu de ser o agente da vida dela, mesmo que todos achassem a idéia absurda. A alegria dela era fazer a sopinha para aquela boca sem dente. A dele, era receber a sopinha das mãos dela. Prazer da companhia e dor da ausência. A vida nos faz eternos convites e nunca é tarde demais para aceitá-los.

10.11.07

Resposta



Bem mais que o tempo /Que nós perdemos /Ficou prá trás também o que nos juntou... Ainda lembro /Que eu estava lendo /Só prá saber o que você achou dos versos que eu fiz e ainda espero resposta... /Desfaz o vento /O que há por dentro /Desse lugar que ninguém mais pisou.../ Você está vendo /O que está acontecendo /Nesse caderno sei que ainda estão.../Os versos seus /Tão meus que peço /Nos versos meus, tão seus que esperem que os aceite.../Em paz eu digo que eu sou o antigo do que vai adiante /Sem mais eu fico onde estou, prefiro continuar distante... By Samuel Rosa e Nando Reis

9.11.07

Contato Humano

A semana começou com a entrega do Prêmio Contigo de Teatro. E na matéria sobre o evento, li uma frase da Letícia Spiller que me tocou:
“Espero que em meio à tecnologia deste mundo moderno prevaleça sempre o contato humano”.
Fiquei pensando nessa frase até hoje...Adoro a tecnologia, porque ela facilita a minha vida, me aproxima de gente que está tão longe, me ajuda a manter contato com quem está perto, me abre uma janela de opções para aprender e evoluir como pessoa e tantas outras coisas. Mas...confesso que tenho certa dificuldade em aprender sobre seus mecanismos. Sempre me assusto ao perceber que existem crianças que sabem usar o computador melhor que eu. Elas já nasceram inseridas na era tecnológica, enquanto eu tive que me adequar a ela. Sim! Confesso sob tortura, que já usei máquina de escrever.
Aquela boa e velha máquina de tortura de dedo com sininho ao fim da linha e uma fita ensebada que vez ou outra precisava ser trocada. Foi nela que desenvolvi a técnica olímpica de digitação veloz em dois dedos.

E foi justamente por observar espantada essas tais crianças biônicas que parei de rir toda vez que via a minha mãe “batendo um papo” com o microondas ou com a (nova) máquina de lavar. Era quase sempre a mesma cena: dedo em riste, cara de quem tem milhares de dúvidas e um pedido especial a Deus para escolher o botão certo. Afinal, naquela geringonça, só mesmo com a ajuda superior. Depois da escolha, era a torcida do “vamos lá máquina, me ajuda!”, com tanto fervor quanto o torcedor brasileiro pedindo para o Taffarel pegar o pênalti na final da Copa do Estados Unidos. Pra frente Brasil! Pra frente mãe! Como em todo jogo, tem horas que ela dá bola fora...


Voltando à história da frase, a palavra contato humano me agrada demais. Sempre soube que um abraço tem poderes terapêuticos e o uso bem mais que a dose medicinal recomendada. Fiquei com muito medo da Internet esfriar as relações, mas vejo, com grata surpresa, que na maioria das vezes o contrário acontece. Vide orkut, as salas de bate papo e até os blogs. Queria que mesmo protegida pela tela, as minhas palavras fossem fonte de calor humano. O Luke uma vez me escreveu a seguinte definição:


“O cyber espaço é onde as pessoas existem sem corpo físico. É, por incrível que pareça, o lugar onde as pessoas podem ser mais próximas de si mesmas. O lugar onde não há máscaras ou rostos. É onde nos desprovemos da matéria e conversamos na real, onde não olhamos a roupa que o outro está vestindo ou quanto o outro está pesando. Todo mundo pode tudo e, por isso mesmo, nada material tem valor. Você não sabe nem qual o computador da outra pessoa.
O cyber espaço só é problemático quando as pessoas tentam trazê-lo para o mundo físico. Enquanto permanecemos no mundo cibernético, as pessoas têm que conquistar as outras pelo papo, pelo interesse intelectual. Aqui, você vale o que você é, não o que você tem”.
Eu só acrescentaria que não há máscaras, porque não há rostos. E você pode ser quem você quiser, até quem você tem medo de tentar ser na realidade...
Justamente por ser o blog um cyber espaço destinado a todos e a qualquer um, decidi não colocar aqui o que eu estava escrevendo na conta de telefone no metrô. Não por medo de revelar-me, mas porque perde-se o interesse quando a gente se revela por inteiro, como se isso fosse uma biografia. Cada história traz em si uma nova história, como os contos de Sherazade em As Mil e Uma Noites. Prefiro revelar-me aos poucos, como se preciso fosse deixar cair os véus ou as máscaras ou as cicatrizes, o que mais interessar.

8.11.07

De Olho No Vizinho


Ontem tive que pegar o metrô para uma daquelas viagens longas e chatas. Quando não tenho uma pessoa ou leitura para me acompanhar, as soluções mais práticas são: 1) Observar as pessoas e suas manias, sem, contudo, julgá-las. Imaginar a história de vida de cada uma delas, analisando de roupas a atitudes. Quando rola um papo ao celular é mais engraçado ainda, porque a intimidade dos outros invade a minha própria e certos atos reforçam a máxima de que de médicos e loucos todos nós temos um pouco. Mas era noite e me faltava o acessório básico para essa missão: meus óculos escuros indefectíveis. Sem eles, eu sou tímida. 2) Pegar um papel e uma caneta e começar a fazer listas das coisas que tenho pendentes , à resolver e/ou realizar. 3) Ficar lembrando de coisas da infância, revendo fatos e rememorando histórias e sensações. Me perco nesses pensamentos e as vezes começo a rir sozinha, baixinho, é claro, como se ninguém mais à minha volta tivesse importância. E tudo o mais deixa de ter mesmo! Adoro esse universo particular.

Durante essa tal viagem, me veio uma baita inspiração e uni os itens 2 e 3. Abri o baú da memória e procurei por papel e caneta dentro da minha bolsa. Ironicamente, não tinha um bloquinho para anotar as lembranças. Mas, como gosto de improvisar, peguei a minha conta de celular - já paga - e comecei a escrever. Quase pedi à moça sentada ao meu lado para me emprestar a revista que ela não estava lendo, seria o apoio perfeito. Achei, a tempo, que seria muita cara de pau. Tem muitos momentos em que eu perco mesmo a medida em nome das soluções práticas e plausíveis. As minhas soluções. Depois até me arrependi, já que a tal moça ficou tentando ler o que eu escrevia. TENTANDO...Acho que ela também queria uma distração para a viagem dela e achou, no mínimo, fato curioso uma pessoa sacar da bolsa uma conta de celular e começar a escrever sem parar em letras miúdas, swingando no compasso do metrô, já que o meu apoio foi a própria bolsa. Tem horas que a gente é mesmo de circo.
Eu ri da dificuldade que ela estava tendo ao tentar ler as letras miúdas e pensei: ta vendo? Não quis me emprestar a revista, agora, vai ter que rebolar para entender o que eu escrevi. Coitada, nem percebeu que eu descontava nela a vergonha de fazer um pedido estranho: moça, me empresta essa sua revista ai de baixo? rsrsrsrs
Duas notas de rodapé. 1) Eu sempre ficava me perguntando porque as operadoras de celular gastavam tanto papel em uma conta. Além da propaganda que sempre vem no envelope, a gente recebe o recido da conta detalhada e mais um papel que parece resumir o principal. A resposta não tardou a ser comprovada: graças a Deus eles fazem isso! Só assim a minha viagem cheia de tédio pôde se tornar um momento de ócio criativo (rememorando o post de ontem). Alguém já viu outra atividade prática para tal desperdício? Aviãozinho não vale...se bem que... muitos papéis que viraram barquinhos já me salvaram de grandes aborrecimentos. Mas isso é história para outro texto. Posts para o bdbblog (Bibi De Bicicleta Blog) por favor!

2) Há algum tempo eu ficava para morrer com aquelas pessoas que “filam” a sua leitura no metrô e no ônibus. Eu achava cara de pau alguém ficar lendo junto com você, que gastou grana, tempo e energia tentando equilibrar o jornal standard (jumbo)num veículo em movimento. E quem nunca sofreu desse mal, que atire a primeira pedra! Vai me dizer que não é quase irresistível alguém abrir qualquer coisa para ler e o ato não chamar a atenção de quem está de volta. Se a chamada for fofca então...Fica quase um time de futebol enfileirado para a foto oficial do jogo atrás de você. Quando a raiva sobe, você fica ali, esperando a hora certa para dar o troco no vizinho "entrão" e virar a página justo na hora em que ele se mostra mais interessado. Tem gente que chega a respirar fundo! A roer unha! Já fizeram isso comigo, by the way. Até que um dia...eu conheci uma pessoa que não ficava perturbada pelo colega estar filando descaradamente o seu jornal. Pelo contrário, ela ficava nervosa, porque não sabia se já podia virar a página. Quase perguntava: posso virar? Senha básica para o início de um papinho sobre a notícia. Depois de morrer de rir, fiquei como?! Uma pessoa que se propõe a levar informação às outras, não pode ter esses pudores de compartilhar justamente a informação que se tem em mãos. Essa é a verdadeira notícia em tempo real: o tempo real de ler. Hoje, conservo o vício de observar pelo canto de olho com certo incômodo meus companheiros de leitura, mas isso já não me perturba mais.


Para encurtar essa história, que já virou uma crônica dos dias modernos, vamos ao resultado, senhoras e senhores. Escrevi naquele papel melequento e com garranchos miúdos algumas das minhas memórias, de forma poética e sem muito padrão. Não sei ainda no que vai dar (o resultado, provavelmente, estará no próximo post), mas tenho que confessar que foi muito gostoso lembrar do tempo em que brincava na rua, em que estudar era a grande responsabilidade do universo. Todas essas coisas são, em si mesmas e com suas devidas importâncias, responsáveis pela formação de quem sou. E mais, do que ainda quero ser e do que não é e nem será mais uma escolha.

Malandragem

Quem sabe eu ainda
Sou uma garotinha
Esperando o ônibus
Da escola, sozinha...
Cansada com minhas
Meias três quartos
Rezando baixo
Pelos cantos
Por ser uma menina má...
Quem sabe o príncipe
Virou um chato
Que vive dando
No meu saco
Quem sabe a vida
É não sonhar...
Eu só peço a Deus
Um pouco de malandragem
Pois sou criança
E não conheço a verdade
Eu sou poeta
E não aprendi a amar
Eu sou poeta
E não aprendi a amar...
Bobeira
É não viver a realidade
E eu ainda tenho
Uma tarde inteira...
Eu ando nas ruas
Eu troco cheque
Mudo uma planta de lugar
Dirijo meu carro
Tomo o meu pileque
E ainda tenho tempo
Prá cantar...




Uma homenagem à Julia - filha de uma grande amiga de muitos encontros e tantos loucos momentos - que na foto faz o que eu queria estar fazendo com muito mais freqüência, no lugar dos meus sonhos. Julia habita esse lugar, duplamente.

7.11.07

Vai um curso ai?


Fiquei muitos dias sem escrever aqui. Não posso dizer que foi por falta de inspiração, já que muitos assuntos me passaram pela cabeça, pela vida ou simplesmente “me caíram” nas mãos. Foi pura falta de tempo e isso me perturba demais. Tem certas horas em que penso que o desafio maior é existir com dignidade. Que tempo é esse que nós vivemos?
Outro dia estava falando sobre hobbies. Gostaria de tê-los, mas ao tê-los, como exercê-los? Sou um fim sem um meio ou um meio sem fim... Feliz foi o sociólogo italiano Domenico de Masi que formulou com sagacidade a teoria do Ócio Criativo. Segundo ele, vivemos em uma sociedade, chamada de pós-industrial, onde o homem é apenas mais um elemento produtivo, não há distribuição igualitária do poder, do saber e do trabalho e uma verdadeira obsessão consumista faz do homem um autômato sem tempo para desenvolver-se como um todo. Nossas horas de lazer são, portanto, mais uma compensação pelas horas trabalhadas do que verdadeiramente lazer. Domenico propõe a teoria que significa, então, um exercício do sincretismo entre atividade, lazer e estudo, propondo ao homem que ele se desenvolva em todas as suas dimensões. Um dia dividido entre hora de trabalhar, hora de criar, hora de descansar. Certa vez encontrei Domenico na Bienal do Livro. Um velhinho simpático que disse que tenta com vontade colocar em prática a sua teoria. Hoje, me pergunto: por que larguei a faculdade de sociologia? Rs


Acho abusadamente sadio quem consegue dividir seu tempo entre um trabalho burocrático, por exemplo, e um hábito totalmente oposto às suas “vocações” aparentes. Tenho um amigo, o “S-Ruivinho” que trabalha com design de revista e faz aula de tamborim. No começo, achava que era um hábito excêntrico, algo descolado que ele resolveu fazer como quem decide sair pela rua comendo mariola. Vai me dizer que não é uma “tiração de onda” um paulistano aprender tamborim e desfilar no carnaval carioca? O máximo! Até perceber que abusada mesmo era a dona "S" mãe do Franitos, outro amigo, que é fisioterapeuta estética e também faz aula de tamborim e pandeiro. Pior, o objetivo aparente dela é tocar num conjunto familiar chamado "Agonia do Samba". Na real, ela quer envelhecer sem deixar de ser “muderna”. Como dizia Cazuza, o tempo não pára!

Pois bem, justamente ao abrir o e-mail, vi que me mandaram umas opções de curso da Marcot. As opções? Strip-tease, pompoarismo e dança do colo – um misto de sedução e dominação. Wow! Sabe-se lá o que é isso!? Alguém se habilita a descobrir, por favor? Sinais dos tempos, minha amiga de Escorpião! Logo hoje, que a minha intenção infantil era entrar no google para buscar mais informações sobre o curso de direção para quem tem fobia de trânsito...Me senti Conduzindo Miss Dayse. Qual seria, então, a maior aventura? Ui!