27.8.14

Tudo era calma. Alma.

Herdei dos meus pais essa mania de “puxar papo”. Os dois tinham esse hábito, meus irmãos também têm. Cada um do seu jeito. O mais velho é piadista; o do meio, atencioso. Eu? Gosto de um papinho mesmo. Curiosidade sobre a história que a pessoa tem a dizer, o que me rende bastante material vivo para a escrita, dentre outras coisas.

No novo trabalho já conversei com muita gente de outros setores. Os do setor de Serviço, principalmente. Adoro! Outro dia, entrei no banheiro e tinha uma reunião delas. Reunião mesmo. Um círculo de mulheres uniformizadas contando seus casos, suas dores. Um grupo de apoio se formou e se desfez assim que entrei. Fiquei envergonhada de ter aparentemente "interrompido" aquele momento. Bem poderia ser uma oração. Quem sabe? Tudo bem que não era a hora (expediente) e nem lugar (banheiro). Mas tenho pra mim que as trocas verdadeiras podem ocorrer sem horário ou local determinado.

Depois que resolvi a questão que me levava até ali, vi que ficou apenas a responsável pelo setor. Perguntei se estava tudo bem e ela me contou:
“Tenho um filhinho de quase dois anos que passou mal de bronquite de madrugada. Há dois dias que não durmo, porque ele tem falta de ar. Agasalhei meu filho e levei para o hospital. A médica disse que era exagero meu, que não era bronquite e era uma irresponsabilidade eu sair naquele frio com a criança. O menino tem falta de ar direto, já estava ficando roxinho, não comia... Fui com ele para o hospital e disse à médica que não seria maluca de sair com a criança passando mal, sem estar agasalhada. Ela só receitou descongestionante e fui para casa”.
Vocês podem imaginar meu coração derretendo nessa hora, não é?

Fiquei tão comovida – e passei isso para ela – que ela me perguntou se eu tinha um bebezinho também. Sem graça, talvez por ter demonstrado amor demais em um tempo de desamor... Disse apenas que gostava muito de crianças, mas que não era mãe. Ela me contou outra história:
“Não fica triste. Lá na minha igreja, todas as minhas amigas foram mãe cedo. Eu com 25 anos, não era mãe, mas desejava muito. Só aconteceu agora e eu tenho 35 anos. O nosso tempo, não é o tempo de Deus. Um dia você será mãe, acredita!”.
Se eu vou ser mãe de verdade, só Deus mesmo para saber... Mas o que mais gostei de ouvir dela foi: “O nosso tempo não é o tempo de Deus”. Vivemos dias tão corridos, que anda difícil até arrumar uma horinha para comer sossegadamente, ligar para um amigo pra nada, pensar em livre devaneio! Nesse turbilhão de acontecimentos, a gente quer correr para realizar os nossos sonhos e cada um dos sonhos tem seu tempo certo, exato, específico para acontecer na vida. Na correria do cotidiano, atropelamos nossa história, nossos sentimentos, o curso certo do rio em que flui a nossa existência.
Dois dias depois, novo encontro. Ela ainda não havia dormido, mas o bebê estava bem. Trocamos sorrisos. Ela estava até cantando. E eu sabia a canção! Já havia cantado na igreja. Num arranjo desarranjado – sem trocadilhos com o local, afinal, era o banheiro – nós duas começamos a cantar juntas. Surreal, mas divino: Mesmo sem merecer, pecador, o mais miserável dos homens que sou; me envolves com seu amor e por isso, eu sou mais feliz”. Saí dali como se tivesse falado com Deus. Tudo era calma. Alma. Talvez tenha mesmo falado com Deus e também com um de seus anjos.

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