Ontem fui fazer as unhas. Depois de séculos de compulsão, eu finalmente as deixei crescer, vencendo uma dura batalha contra mim mesma. E essa foi definitivamente uma vitória que só quem rói unha conhece bem. A dureza da batalha e a glória da vitória andam de mãos dadas. A vigilância é permanente, mas o prazer de vê-las grandes é indescritível. Claro que acho sofrível ter de ficar 40 minutos tendo as cutículas arrancadas por uma estranha, que procura saber cada episódio da sua vida, como se ela fosse uma novela. Realmente essa intimidade de porta de botequim me incomoda, mas é o preço que se paga para ter as mãos dignas.
Há algumas semanas estava conversando com o “F” sobre nossas escolhas. Eu escolhi parar de roer unha e a decisão interna teve que ser bem trabalhada num processo. Não falávamos de unha, claro, mas no meio do papo eu disse:
“toda a escolha também é uma renúncia”.Foi o momento perfeito para fazer tal colocação tanto para ele, quanto para mim. Fico impressionada em perceber que muitas vezes o conselho dado à outra pessoa acaba sendo aquilo que você precisa ouvir. Tem muita gente que tem dificuldade em falar sobre seus sentimentos e isso, na minha opinião, deve ser angustiante. A palavra dita é libertadora. Toda vez que a gente fala o que sente, escutamos, na mesma medida, o que precisamos entender sobre nós mesmos. Isso reforça a ação necessária, quando temos coragem de partir para o ataque, é claro.
Meus amigos representam uma generosa fatia no meu mundo. É através deles que meus questionamentos, atitudes, virtudes, dúvidas são colocados à baila, testados, transformados e/ou reforçados. Quando sou questionada, também sou desafiada internamente. E aceitar o desafio é fazer uma escolha por uma conduta de vida, baseada em experiência e valores. E além de saber que toda escolha traz em si uma renúncia, é importante ter em mente que prazer e dor andam juntos. Como em uma moeda, cada um tem a sua face, mas ambos fazem parte de um mesmo objeto, são inseparáveis.
Esse ensinamento ganhou forma quando estive com o ator Caco Ciocler. Ele me disse que quando percebeu, na terapia, que não era vítima das circunstâncias, mas o agente de suas atitudes e escolhas, foi libertador. Se o prazer e a dor andam juntos e você é o centro da sua vida e das suas ações – que causam reações contrárias na mesma intensidade e medida – sua escolha é também a não escolha.
Fundamental é lembrar que ninguém pode viver em dois lados ou desfrutar apenas de uma das faces da moeda. E se escolhemos ficar em cima do muro, vemos apenas a vida passar e não nos tornamos objetos participativos. Ninguém quer ser a ameba do universo, mas freqüentemente fazemos tal escolha e deixamos a vida passar.
Voltemos para o salão de beleza, onde fiz as unhas. Lá encontrei uma velhinha de 93 anos, que usa o salão como um clube de comadres, onde ela faz a vida ter sentido. A manicure fez uma brincadeira sobre namorados e ela não ficou de fora. Claro, ela encarava como uma piada, mas ainda assim a vovó mostrava-se animada com a idéia. Eu tenho uma tia-avó que se casou com 80 anos. Até hoje ela é uma senhora linda, de expressivos olhos azuis. O coroa dela tinha 90 e eles foram muitos felizes até a morte dele. Ela não desistiu de ser o agente da vida dela, mesmo que todos achassem a idéia absurda. A alegria dela era fazer a sopinha para aquela boca sem dente. A dele, era receber a sopinha das mãos dela. Prazer da companhia e dor da ausência. A vida nos faz eternos convites e nunca é tarde demais para aceitá-los.
Um comentário:
Oi Bibi...
Eu nao adoro... eu amo te ler! O rompimento é doloroso... mas o prazer q vem com ele é algo indescritível. Vou passar aki mais vezes.. Bjos
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