¨O mesmo torna-se infinitamente melhor quando alteramos a nossa percepção sobre os fatos ou as coisas. Essa é a melhor forma de resumir o meu Natal de 2007. Tem muita gente que fica extremamente deprimida nessa época do ano. Existem outros que não vêem o menor sentido nas comemorações. Há ainda os que apenas observam o lado comercial da festividade, para o bem e para o mal – os que só pensam no presente e os que dizem que os outros só pensam no presente e que por isso não vale festejar. Também existem aqueles que resolutamente se isolam, como se pudessem dar menor sentido à ocasião, tentam ignorar a data, para na verdade conseguir mascarar os seus próprios sentimentos. Ou a falta deles. Até o meio da adolescência eu fazia parte do grupo que simplesmente amava o Natal e contava os dias para as comemorações.
Minha família inteira se reunia e os “agregados” – como chamávamos os “quase parentes” – também chegavam com a sua alegria e seus presentes. Às vezes vinham só com a barriga e uma boa gargalhada para emoldurar a noite. Certas vezes chegávamos a ter quase 40 pessoas dentro de um apartamento. A confraternização era universal, pode-se dizer. Meus primos judeus também vinham e traziam seus amigos da mesma religião para celebrar e não foram raras as vezes em que vi o pai deles entrando feio na carne de porco. Porque era Natal tudo valia, tudo era permitido.
Lembro com alegria das vezes em que eu e meus primos fazíamos teatrinhos para a família. Era a maior festa. Dias de ensaio antes, dias de intensa alegria. A grande apresentação era pontuada pela gargalhada das “tias” velhas, que torciam por erros e improvisos – a chance da galhofa – e nós, crianças, esperávamos por elas, as gargalhadas, como bebê que espera pelo leite da mãe. Mamávamos gargalhadas. Ávidos pelas próximas e pelos aplausos ao fim da apresentação. O ponto alto de todos os tempos foi a peça Bia de Neve e os Dois Anões. Por falta de quorum, claro, os anões eram apenas dois (Mestre Ricardo e Dunga Danilo) e um deles ainda interpretava o espelho, espelho meu... E não dizem que o povo brasileiro é criativo? A inflação atingiu até a nossa versão do conto infantil.
Como em toda verdadeira história infantil, seus personagens foram crescendo. E o Natal que era totalmente mágico, começou a dar mostras de realidade. O valor dos presentes e a falta deles começaram a pesar. As crenças que eram uma ponte tornaram-se abismos. Os sentimentos passaram a ser compreendidos em sua forma real. Crescer é também compreender e a compreensão traz junto a si uma realidade nem sempre justa ou agradável. O número de pessoas foi diminuindo na mesma proporção que a minha tristeza foi aumentando. Passei a ser daquelas pessoas que odiavam o Natal, porque ele se tornou símbolo de quem não estava mais lá. Pior se tornou quando quem ficou passou a ser apenas uma lembrança e não uma doce presença. A saudade aperta nessa época do ano.
Como diria Rita Lee: “um belo dia resolvi mudar e fazer tudo o que eu devia fazer”.Foi no ano passado. Uma das minhas tias tinha poucos dias de vida e eu resolvi fazer daquele Natal o mais especial possível para ela. À meia-noite, quando demos as mãos para orar, pedi para que uns olhássemos para os outros. O motivo de gratidão é que a nossa família estava junta, celebrando aquele momento. Quem não estava ali não importava, pois tínhamos uns aos outros. Em menos de um mês essa tia partiu (um dia eu conto essa linda história). Nesse Natal eu fiz questão de me lembrar dela, tia Norma. Na hora da prece, lembrei que ela estivera conosco no ano passado e que sempre estaria entre nós, porque seus exemplos ficaram e sua essência nunca morreria nas nossas lembranças. Disse que família é um laço instituído por Deus. E que no Natal, com o nascimento de Jesus, passamos a chamar Deus de Pai e a ter com Ele essa relação mais próxima. Nesse Natal, éramos apenas nove pessoas. As nove pessoas mais especiais de uma vida inteira.