5.8.08

Fernanda Montenegro


Foto: Antonio Guerreiro


Ontem eu estive na entrega do Prêmio Tudo de Bom do Jornal O Dia. Antes de entrar no Vivo Rio, me posicionei antes da porta, bem em frente à turma de uniforme vermelho flamejante, que estaciona o carro para você só se incomodar em meter a mão na carteira e soltar aquele cascalho grosso para compensar a moleza de apenas correr para a luz. No caso, os flashes dos fotógrafos e cinegrafistas presentes em maior número que os convidados famosos.

Papo vai, papo vem... Eu e o fotógrafo matamos o tempo tentando cantar um pedaço de uma música dos Paralamas do Sucesso em duas vozes. Altas. Era o próprio retrato da tragédia grega encenada sob o contexto de uma ópera italiana. Eu só fazia rir, porque ele queria MUITO que eu não parasse de cantar. E as pessoas passavam sem entender se o show era do lado de dentro ou de fora. Se a gente tivesse colocado um chapeuzinho ali, garanto que rolavam moedinhas. Um novo bico, um freela. Nem que fosse pra gente calar a boca, claro.

Entre um "tenha dó" e um "si bemol com gelo", a gente reparava nos carros que iam parando. Quando era de luxo, o foco era total. Até que parou um Clio cinza e não demos a menor bola. Dentro dele sai Marília Pêra. E o fotógrafo solta a pérola:

-- Pô, bem que dizem que teatro não dá dinheiro...

Rimos da situação e tentamos nos esconder das lentes do Pânico na TV, que se aproximava em velocidade.

Não é que a Marília não tenha grana, obviamente foi uma piada, mas eu me lembrei de uma frase que a Fernanda Montenegro me disse há quase dois anos:

Fernanda Montenegro “Durante 30 anos vivemos (ela e o marido Fernando Torres) muito comedidos; de 20 para cá é que começamos a respirar do ponto de vista econômico. Isso não quer dizer que o futuro já esteja garantido. Tenho uma vida plena, não me privo das coisas, mas ela não é nada faustosa.”
Vou contar para vocês como foi esse dia...

Nunca tive a oportunidade de ver a Fernandona interpretando um texto teatral. Mas tenho certeza de que a televisão não foi digna de seu talento. Pela telinha, eu a achava uma atriz bacana, mas pela telona, ela fez jus ao calor que seu nome evoca. E suas fotos de teatro são tão cheias de expressão, que você fica até sem fôlego. E a minha missão naquele começo de tarde era essa: levar fotos de seus principais momentos no palco e na vida, para que ela comentasse cada uma delas. Aquele material original nas minhas mãos me fazia tremer e o fato de estar face to face com a Fernanda Montenegro, também.

O ponto de encontro era seu apartamento em Ipanema. Procurei me manter tranqüila, porque sei que ela SEMPRE trata a imprensa com muito carinho e respeito. SEMPRE! Ela e Tony Ramos são exemplos máximos da boa educação, da compreensão, da gentileza em qualquer lugar e circunstância. Eles têm a noção exata de que apenas exercem um ofício, assim como nós, e que, portanto, respeito e respeitar se fazem necessários sempre. Acessórios indispensáveis. Babo por esse jeito deles!
Estava na porta do prédio, interfonando para o porteiro, quando me dei conta da frase engraçada que viria a seguir: “oi, estou indo para o apartamento da Fernanda Montenegro. Ela está me esperando.” Gente, isso parece frase de novela! Hahahaha. Quase sorri para uma câmera imaginária, buscando o meu melhor ângulo. No elevador, foi um tal de arrumar cabelo, conferir o gravador, apertar o envelope de fotos contra o peito. Último andar. A porta se abre. A empregada manda eu entrar e me encaminha até um corredor longo e cheio de cômodos. Antes de seguir pela estrada de tijolos amarelos, eu dei uma olhadinha na sala e vi o Fernando Torres sentado ao sol, olhando o horizonte pela janela. Eu viajei na viagem dele.

Entrei no escritório. Tudo muito simples, alguns porta-retratos espalhados pela grande estante. Sentei no sofá e logo veio a dona Arlete, ou seja, a Fernanda Montenegro de dentro de casa. Alegre, tranqüila, sem um pingo de make-up e com os olhos muito cheios de água. Estava com irritação à luz. Começamos a conversar e ela se lembrava de muitos detalhes e destilava frases inesquecíveis, brilhantes, bem elaboradas. Fiz a seleção das melhores para colocar aqui. Em um dado momento, puxei uma bala da bolsa, o pacotinho estava no fim. Sôfrego. Ofereci por educação e não é que ela aceitou? Ficamos as duas com a boca cheia de bala. Foi muito legal. Aliás, foi um dia muito fora do comum de tão especial e tão simples ao mesmo tempo. Quisera ter a chance de ficar ali por mais duas horas, além daquelas que ela me deu. Aliás, eu poderia ficar ali o dia inteiro ouvindo as suas histórias, relembrando os seus momentos e ouvindo suas posições a respeito de qualquer assunto...

Com vocês, a Fernanda:

Quando era Fernandinha... Nunca fui uma criança traquina, mas era muito observadora e até hoje me pego contemplando as coisas. Era magra e loira. Hoje, na minha idade, tenho a cor de cabelo que quiser.

Diretas Já... Ao lado de políticos, fiz um discurso na Praça da Sé, em São Paulo. Esse foi um dos momentos em que a artista teve que se posicionar como cidadã. Se as Diretas tivessem acontecido naquele momento, a história do Brasil seria outra. A não permissão foi algo tão brutal para a vontade do brasileiro, que até o presidente morreu. Acho que os deuses imolaram Tancredo Neves.

Eu Uso Óculos... Tenho fotofobia, fujo da luz como o diabo da cruz.

Rainha do Baile... Gosto do carnaval de longe. Já me fantasio o ano inteiro, quando vem o carnaval, peço a Deus que me ponha num canto sem fantasia nenhuma. Não sou desinteressada, mas também não sou a pirata da perna de pau.


Foto: Antonio Guerreiro


Sensual... O fotógrafo pediu um olhar sexy: me pedindo, eu dou! Me acho sexy sempre. Todos nós temos uma carga erótica latente, senão ninguém te olha. Erotismo não é só do ponto de vista vaginal.

Devoção... Na minha infância, a religião foi passada como uma espécie de história da carochinha. Aprendi o catecismo feito tabuada. Manipular isso na sua fantasia de vida enriquece. Eu sou uma pessoa mística. Acredito que lá em cima tem um anjo de luva branca, com turíbulo, botando fumacinha na cara do velho barbudo de branco, que está sentado numa nuvem.


Grande Amor... É ótimo contracenar com o marido, porque a gente já se conhece. De vez em quando até se traz o personagem para casa, mas tomo banho e largo tudo no chuveiro. Fernando é a minha outra metade. Somos pessoas diferentes, mas nosso relacionamento é como uma sinfonia em composição, acertamos e erramos notas na pauta até formar a boa música.
Sexo no Cinema... O encontro com Raul Cortez no longa O Outro Lado da Rua foi muito feliz. Ele é um ator extraordinário, um colega de uma gentileza, cavalheirismo e de uma elegância sem fim. Foi pleno. Muito se comentou sobre a cena de sexo entre nossos personagens. Foi uma cena tão pequena, que é uma bobagem fazerem polêmica disso. As pessoas são muito puritanas, tem uma fantasia muito reprimida.

Oscar... Conversei com Gregory Peck, Jon Voight, Meryl Streep, Ian McKellen, Lynn Redgrave, Drew Barrymore. São pessoas muito queridas, todos tinham visto o meu filme. Ian pegou no meu queixo e disse: “eu espero que você ganhe”. Eu também torcia por ele. Fiquei muito comovida com suas palavras.

3 comentários:

Saulo disse...

A Fernanda conserva uma dignidade no olhar que me fascina! Ele é um tipo raro de celebridade que com muita naturalidade permanece acima das vivicitudes medíocres do meio artístico. Encantadora

Sambeira disse...

Biaaa,
tb amoo o Tony Ramos e Fernandona. os dois são verdadeiras entidades, mas quando estão diante da imprensa, fazem questão de deixar claro que humanos, humildes, simpáticos. dão boas frases, são inteligente...'se todos fosse iguais a você' total para eles. toda vez que entrevisto um ator jovem, uma celebridade dessas, me dá um baita vontade de perguntar; 'você sabe como a fernanda montenegro trata a imprensa?'
ter o prazer de entrevistá-la assim, cara a cara, com calma deve ser sido tudo!

Anônimo disse...

Descobri seu Blog e adorei! Tive a oportunidade de estar frente a frente com a Fernandona duas vezes. A primeira delas no lançamento do livro "Fernanda Montenegro em: O Exercício da Paixão", de Lúcia Rito. Na fila para o autógrafo, eu tremia mais que gelatina na colher. Tentei manter a pose, ensaiei um monte de coisas para dizer (dizer o quê, né?) e na hora "h" tudo em mim dizia algo: meus olhos, meu corpo, minha cara; menos minha boca. Percebendo meu embaraço, ela pegou uma das minhas mãos e disse: "Não precisa dizer nada, não, meu filho. Não precisa dizer nada, não..." Sempre que a vejo em cena lembro-me desse momento com uma alegria imorredoura.

Beijos e sucesso!!!

Fabio de Sampa.