23.10.07

Colcha de Retalhos



Tem certos dias que a gente se pega pensando em um assunto que não tem nada haver com o que realizamos, vimos ou pretendemos fazer. Hoje estou pensando em colcha de retalhos. Mas para tudo existe uma história, uma explicação, que pode servir como base. Ou é apenas devaneio mesmo! rsrsrsrs
A primeira colcha de retalhos que vi na vida estava na minha própria casa. Foi feita pela minha avó e como todas as coisas feitas por vovós, ela tinha cara e consistência de carinho. Não convivi muito com a minha avó, mas cada uma de suas histórias tem um peso extra para mim. Foi uma mulher guerreira, sem dúvida, mas acima de tudo uma mulher cheia de contradições. Como a maioria de nós. Ela fez aquela colcha e meus pais usavam até que ela se tornou muito MINHA. Achava muito interessante ficar olhando a combinação de seus recortes, a linha grossa, vermelha, costurada num ziguezague xadrez, que passava por cima de cada junção. Não tinha forro. Usei até rasgar. Aliás, até que se desfizesse, porque até cheia de buracos eu usava! Forrest Gump disse que
“a vida é como uma caixa de chocolates, que a gente nunca sabe o que vai encontrar dentro dela”.




A vida também é como uma colcha de retalhos, que a gente só termina, quando acaba. Sem redundância alguma nessa sentença. A colcha de retalhos é a metáfora da nossa própria vida, somos feitos de muitas partes e estas formam o todo. Somos costurados às coisas, fatos e pessoas através de linhas tão finas, muitas quase imperceptíveis. Cada fração de momento é de um tamanho, padrão, textura e cor. Cada qual com sua importância e peso. Somos feitos de muitos pedaços, de muitas matérias. Somos a união da lembrança daquilo que se foi, esperando pelo próximo pedaço, que é a esperança daquilo que virá a ser. Somos o costureiro da nossa própria história, responsáveis por pontos que ferem, que deixam marcas, que alegram, que deixam coloridos registros. Lembrei da minha avó, porque estava arrumando a tal “gaveta das lembranças” e achei um cartão que ela me mandou por correio quando eu fiz cinco anos e estava aprendendo a ler. Minha avó não era dada a demonstrações de carinho explícito, mas se preocupou em deixar esse retalho construtivo que me acompanha há tanto tempo. Eu nem me dava conta de que aquele cartão existia, até precisar revisitá-lo. E pequenos retalhos tem o poder incrível de te tirar da inércia dos sentimentos, do conformismo da falta de poderosas conexões. Somos ligados ao passado pela força do presente que vivemos e do futuro que plantamos para nós. Minha avó teve dez filhos – ficou viúva aos quarenta e poucos e os criou sozinha - e um sem número de netos e bisnetos. No fim da vida, já não se lembrava do meu nome e me chamava apenas de menina. Tem horas que penso que ainda sou aquela menina, costurando a sua colcha de retalhos. E quando olho para a minha cama, vejo que ela, a menina, é real, já que repousa sobre ela uma nova colcha de retalhos. Não mais aquela feita pela minha avó, mas definitivamente uma feita da lembrança daquilo que me é mais caro. Quero que a minha colcha de retalho tenha a cara de cada um que aquece o meu coração ao longo da vida.


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