21.11.09

Vida de Pomba

Foto: Bruno Neves

Bobagem o que eu vou falar, mas foram fatos que me chamaram atenção de uma forma, digamos, inusitada. Veja bem: estava eu saindo de casa, sem pressa, com rumo, sem vontade, sem sabor, mas com uma missão muito digna pela frente: amizade.

Saio do prédio de vestido preto e óculos escuros 'sessentinha' (não eu, claro, mas o style do sunglass). Muitas são as vezes em que penso que a lente me protege do mundo lá fora e me reporta a um castelo interior. Estava assim: olhando para tudo e para nada especificamente.

Perdida naquela situação, eis que vejo pela frente uma cena que captura imediatamente a minha atenção. Uma menina sai da portaria em direção ao jardim com um filhote de labrador na coleira. Simplesmente impossível resistir! E vem aquele filhote pulando de alegria, quase arrastando a sua dona pela coleira. Eu, encimesmada, me desarmei na hora e chamei ele para perto. O bichinho veio correndo receber um carinho e pulou na minha perna absolutamente encantado com o afago. Criança e filhote tem prioridade na minha escala de atenção carinhosa. Brinquei muito com o filhote e a dona dele disse que era o primeiro passeio dele na 'rua'. Depois do carinho, saiu ele pulando e correndo. Disse para ela, corre junto! Para ele tudo é novidade. Saí com o sentimento maternal absolutamente aceso.

Quis um labrador para mim durante 10 segundos. Depois lembrei que o meu primo teve dois em um sobrado. Os fofuras eram tudo de bom, mas não se comportavam nem com treinamento! Acho que eles foram reprovados por comportamento na escolinha canina e ainda voltaram para casa com pulga. Meu primo os deu. Para ele, um certo alívio; para mim, a falta de ter com quem brincar! hahaha Viro criança, ué? Que mal há nisso?!

Pois bem. Uma vez demovida da ideia de ter um labrador no apartamento (filhotes são lindos, mas eles crescem! E como!!), segui caminho. Duas esquinas depois vejo uma cena que me corta o coração. Não sei se estou de TPM, mas meus olhos ficaram cheios de lágrimas. Perto de uma árvore, postada em um cantinho, tinha uma pombinha morta. Seu corpo estava todo encolhido, como se alguém a tivesse colocado ali. Não foi atropelamento, porque ela estava intacta. Não vi a cabeça, porque estava para dentro do corpinho, como se tivesse colocado a cabeça no peito esperando a morte. Morreu de velha? Jamais saberemos! Qual a idade adulta de uma pomba? E como saberemos quais as que morrem porque já viveram demais? Estranho pensar nisso. A gente percebe, por exemplo, quando um cão fica velho. Nunca notei tal fato em um pássaro.

Vendo aquele corpinho ali colocado me fez pensar na delicadeza da vida. O filhote de labrador estava celebrando a curiosidade de um mundo que talvez ele jamais saiba que é tão hostil. Mas e a pombinha? Ok, a gente odeia pensar que pombos tem piolho e causam doenças. Porém, eu odeio ainda mais pensar que ela possa ter sido sacrificada ou envenenada. Claro que eu humanizei a pomba, assim como acabara de fazer com o filhote de labrador.

Eu ali, encimesmada atrás dos meus óculos escuros, pude ver a singularidade e a fragilidade da existência. Mesmo a dos animais. Ou mais ainda. Pensei em como crescemos com alguém a nos guiar, a segurar a nossa coleira para o bem e para o mal. também pensei, que quando a morte chega, é muito bom ter alguém que tenha o cuidado de velar pelo nosso corpo que, afinal, é o representante concreto de uma história de vida.

PS: Esse texto é dedicado ao J25 que me pediu uma história sobre reflexões de vida e amor (Aqui)

9 comentários:

Unknown disse...

é interessante como pequenos fatos quando damos atenção nos revelam a vida... Muitas vezes eu penso na vida como você resumiu nesta frase: "a singularidade e a fragilidade da existência." a conclusão que sempre chego como somos pequenos diante de deste mundo e principalmente de Deus.
Obrigado pela dedicatoria sempre fico feliz de ter o momento celebridade aqui no Bibi de Bicicleta.

Engraçado que estava lendo a entrevista da Joss Stone que você fez e pensando quando você sugeriu que sugeríssemos pautas aqui para o Bibi de Bicicleta um tema "Como é os bastidores até você chegar a concretizar uma entrevista como a que fez" fica a sugestão... ai vem a grata surpresa deste post.

Bjos

Bibi disse...

J25: o Zé deu essa sugestão de falar sobre os bastidores do meu trabalho. Antes de pertencer a uma empresa, eu podia. Agora não mais...

Ana Martins disse...

Ai que post mais lindo... questões sobre existência ou morte mexem comigo sempre! Bjos, Bia-mais-que-humana!!!

Bibi disse...

Gostou Ana? Cara, imaginei esse post ao longo do caminho, mas ao escrever, ele me pareceu ainda melhor. Me faz bem compartilhar essas pequenas coisas cotidianas.

Sambeira disse...

miga, algumas considerações:
às vezes, os óculos escuros são nossos melhores amigos, né?
odeiooo pombos, mas não a ponto de envenená-los..
amoo labradores, mais ainda os filhores, e estou esperando o dia ter uma casa com espaço pra abrigá-lo!
bjao com saudade

Bibi disse...

Saudade, saudade... Posso te ver falando cada uma dessas palavras! Tom sobre tom

Saulo disse...

Quanta saudade de Barbosa e Madalena... o coração fica pequenininho de saudade dos meus Labradores!! Não sei se fui imaturo ou imprudente ao comprá-los... sei que dei vazão à minha necessidade de "cuidar". Fiz de tudo. Dá-los foi uma das escolhas mais doídas que fiz na vida. Vivendo e aprendendo!
Levo eles no coração... eternamente!

Bibi disse...

Saulo: também morro de saudade deles, embora a convivência tenha sido infinitamente menor. Acho que vc foi extremamente impulsivo ao pegar dois ao invés de um apenas. E talvez um menor. Talvez esse menor pudesse estar com vc até hoje. Mas a vida é assim, feita de lições. Sempre que vc se encontrar impulsivo, provavelmente vai se lembrar disso.

Bibi disse...

Saulo: também morro de saudade deles, embora a convivência tenha sido infinitamente menor. Acho que vc foi extremamente impulsivo ao pegar dois ao invés de um apenas. E talvez um menor. Talvez esse menor pudesse estar com vc até hoje. Mas a vida é assim, feita de lições. Sempre que vc se encontrar impulsivo, provavelmente vai se lembrar disso.