2.6.10

Sabe quando você sofre uma enorme queimadura?



Sabe quando você sofre uma enorme queimadura? Reconhece essa sensação desconfortável e dolorosa? Quem nunca queimou um pedacinho de si ao menos, seja na panela, na fogueira ou até tomando sol demais e passando do ponto no bronzeado? Uma dor estranha...



Você estava lá, distraída, fazendo o que tinha que fazer, vivendo as oportunidades da ocasião. E de repente, não mais que de repente, o mundo a sua volta começa a se derreter em chamas. O fogo toma conta do recinto com brasas incandescentes, labaredas assustadoras. O que você faz? O que fazer quando se é vítima da circunstância e não o sujeito agente do fato, o que carrega em si a consequência da ação deliberada?

O fogo é algo que atrai, é bonito de se ver, mas impossível de se estar perto demais. Tudo é uma questão de manipulação, às vezes. E quando falha a atenção ou a intenção vem a queimadura. Dilacera. E tão ruim quanto se queimar é ter que passar pelo processo de cura.

Quando a pele velha, bolhuda, podre, começa a cicatrizar, você tem que raspar fora o que não presta, para que uma nova tome o seu lugar. É uma dor que parece injusta, porque a cura devia ser uma etapa apenas. E nesse caso não é (em que caso seria assim tão simples, afinal?). A gente sempre pensa assim, tenta fugir de certos processos que nos parecem tolos. Pra que viver etapas, se pular para o resultado final parece tão mais lógico e agradável?

Desde o momento em que se sofre uma queimadura atroz, você passa a temer o fogo. Mesmo dependendo dele. Algo que encanta, que hipnotiza, que aquece, também dói, abafa, sufoca e pode machucar seriamente se não for manipulado com cuidado extra. Quem consegue controlar o fogo? Quem consegue prever a fúria de um vulcão? Eu não consigo e você provavelmente também não... Mas a gente continua a tentar.



Ferida aberta que parece não cicatrizar. Ânimos em erupção. Lava, destruição e silêncio. Tudo cinza. Tudo jaz cinza. Até que se possa colorir outra vez. Queima, arde e fere. E é preciso seguir o protocolo da cura. E estar pronto para a nova jornada em busca de objetivos de toda sorte. Eu já me queimei... Tantas e tantas vezes. Umas mais sérias outras aparentemente banais. Pele curtida, mente fraca. Eu continuo a ser atraída pelo fogo, pela beleza de seu calor incandescente. Mas tenho todo cuidado ao me aproximar. E quem controla o vento? O vento espalha o fogo ao nosso redor e nos joga nessa fogueira sem piedade...

Pra onde podemos fugir do calor do sol? Ele parece estar em todo lugar, até quando não vejo. Ele aparece ser o centro da vida, do universo, mesmo sendo noite lá fora. É quando eu percebo que o fogo mora dentro de mim e me consome inteira. É quando eu me dou conta de que todos nós somos alquimistas e devemos aprender a controlar a fúria dos elementos que vivem dentro de nós. Cada coisa nos foi outorgada em porções que podem ser cura ou veneno. Há que se ter atenção na dose. Se não fui a responsável pela escolha de tudo o que há em mim, sou eu a administradora daquilo que se estabeleceu. Faço a contagem e distribuo as porções, destilo os fatores da ocasião e experimento. Me dou a conhecer em cada oportunidade... Dosagem, cura, processos elaboradíssimos, resultados tabulados. Conhecimento?

A busca é incessante. Porque aquilo que não é conhecido, é o que nos domina e prevalece. Quero fazer prevalecer em mim aquilo que é bom e agradável, aquilo que constrói e não destrói. E andamos nos destruindo em consumo desenfreado de coisas que não nos deixamos compreender, aquilo que não queremos aceitar. De onde vem o fogo? Por que ele me queima dessa maneira? Porque a recuperação me parece tão lenta e inútil? Sabemos que lá ele está independente de nós. Por fora: assustador e encantador e por dentro: devastador e mantenedor de vida.

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