21.8.11

Mas agora eles precisam ir...


 Estado atual: levemente deprimida

Essa semana fiz uma limpa daquelas no meu quarto. Coloquei o guarda-roupas abaixo. Abri portas que praticamente me catapultaram a outro mundo, minha Nárnia pessoal. No fundo falso do armário, havia uma espécie de alçapão, que me deu muito trabalho. Meu pai também escondia ali um monte de coisas inúteis que ele se recusava a dar cabo no arquivo morto: lixo. Coisas que foram morrendo com o tempo e o esquecimento naquele lugar escuro. Exemplo? Várias antenas de televisão. Eu disse várias. Se ele fosse cientista ou algo assim, poderia jurar que ele estava em algum tipo de projeto para contato extraterrestre. Mas não... Era uma mania.

Atrás das coisas que não me faziam sentido e me lotavam de espirros de tanta poeira, achei velhos conhecidos: Sabrina, Pedro, Beth, Denise, Débora, Milena, Zoé, Lily, Moranguinho, Barbie e Pato Donald. Um saco de brinquedos que outroram me serviram de companhia e hoje me trazem de volta um tempo de tantas lembranças especiais. Fazem sentido para mim e a história que criamos juntos. Todos velhos, sujos, cabelos se desmanchando, alguns sem roupa. Mas absolutamente todos dotados de personalidade. Um a um fui lembrando seus nomes enquanto deixavam o saco. Sabia de que forma os havia amado. E como amei, apesar de só estar com eles, quando eu mesma estava só.

Agora chegou a hora da despedida de verdade. Talvez, o fato de tê-los guardado tenha significado um até breve para mim... Na esperança de reencontrar neles quem eu fui naquela época. Ou de não me deixar o tempo escorrer pelas mãos sem as "testemunhas" daquele passado cheio de imaginação, dúvida, sonhos e questionamentos. Demorei a crescer. E cresci muito rápido. Não há antagonismos para o que se deu dentro de mim. Foi realmente assim. Aos cinco anos tive que começar a lidar com a responsabilidade de ser diabética numa época de poucos recursos e menos ainda de informação. As que chegavam davam conta de morte, amputação, cegueira e sobrevida. Havia restrições alimentares e a necessidade de injeções diárias. 

E nesse cenário aterrorizante para alguém tão pequena, em que o doce da vida e a liberdade de ir e vir plenamente foi retirada de subto e não devidamente explicada, eu consegui ser uma criança feliz. Meus brinquedos sabem disso. Meus amiguinhos (os de verdade) também. Com uma dessas bonecas eu passei um mês numa cama de hospital. Ela, a Beth, me "viu" reaprender a andar, coisa que nenhum amiguinho de verdade viu. 

Mas agora eles precisam ir... Eu preciso deixá-los existir em outra realidade. Talvez para que outras crianças também se realizem através deles. Talvez para que escutem novos segredos e os guardem em seu silêncio de existir. Porque meus bonecos conversavam comigo sem voz. Com a voz do coração. É hora de através de sua existência, dar resistência a quem tem tanto amor - quanto eu tinha - para dar. 



6 comentários:

Claudio disse...

Entendo perfeitamente o que você escreveu. Anos atrás eu encontrei em minhas arrumações, um saco com mais de 200 carrinhos de ferro (tipo hot wheel) que eu amava, que colecionava e dava muito mais valor que um autorama que todos meus amiguinhos da época tiravam onda. Não foi fácil me desfazer, mas como você disse, temos que repassar para que outras crianças criem suas próprias histórias, brincadeiras, etc...

Lindo texto como sempre.

Sintia ALine disse...

NOssa Bia, lindo texto, o apego aos "amigos de verdade" que forma linda de amar. Me sensivilizei com menininha de 5 anos com diabete, nossa, viajei para o seu passado, lembrei das minhas sobrinhas, me deu um aperto no coração. Que deus continue te abençõando, você é linda, sensivel.
Beijos e tenha uma semana maravilhosa.

Thais disse...

Puxa Bia... texto lindo, prima!!!
Faxina de coisas, as vezes, tão importantes para nós...um pouco de nossa história!!! Mas é necessário acontecer para que outras coisas tomem seus lugares. Não é de se estranhar...vivi, um pouco, cada frase in loco... inclusive estava presente na viagem de trem, para SP (acho que foi isso!?) em que vc passou mal e depois tivemos o diagnóstico. Terrível, prima... sofremos todos!!!
Diagnósticos assim , quando sabemos, nos tiram o chão!!! Mas como Deus é maior do que tudo e tudo concorre para o bem daqueles que O amam, vc superou, venceu, brilha, foi e é feliz e encanta a todos que tem o privilégio de conviver com você. Todos passamos por momentos terríveis (vc sabe muito bem!!) mas é na certeza desse Deus que não nos ampara nunca que, olhando para trás, nos perguntamos como conseguimos continuar nossa caminhada...misericórdia Dele!!!
E quanto aos "amiguinhos"... todos importantes e necessários quando somos crianças (ás vezes, até adultos!?!). Sou feliz porque te dei, com muito carinho, dois amiguinhos, de carne e osso (rsrs... quantas travessuras boas!!!) que tenho certeza, você nunca os tirará de sua vida, porque sei do amor imenso que tem por eles.
Te amo, Bia.

Bibi disse...

Claudio: Eu fico até feliz em passar para frente, embora elas tenham feito parte de uma boa parte da minha vida :)
Obrigada pelos elogios :)

Bibi disse...

Sintia Aline, você é uma fofura. Quero que as minhas palavras te levem para muitas boas viagens! Um beijo!

Bibi disse...

Thais, tem uma confusão ai nas informações. Quando a gente viajou de trem, eu tinha 10 anos, portanto, há cinco eu já tinha diabetes. Passei muito mal ali sim, quase morri em função de um sarampo, daí ter ficado internada, como conto no texto.
É Deus na causa sempre! Ai de nós, né? Seus filhos são meus amores dados por sangue e por escolha. E Saulo é minha paixão!