Como jornalista, eu já devia ter o “espírito” mais preparado para certas notícias. Mas não há tempo suficiente que possa passar, não há experiência rica o bastante que neutralize o meu choque e o meu horror frente aos últimos acontecimentos. Tem gente que se acostuma com o horror, eu não, me abalo sempre e cada vez mais. Tinha uma amiga jornalista que gostava de cobrir POLICIA. Ela subia morro em tiroteio e acompanhava os assassinatos mais brutais pela cidade, como quem acompanha apenas um filme, com a distância suficiente para desligar aquilo depois de um curto espaço de tempo. Eu nunca me percebi como uma jornalista com todas as armas para exercer a profissão. As que tenho são bem interessantes e me servem muito bem ao propósito de escrever e comunicar. Não aprendi, ainda, a não me envolver e a ser crítica o suficiente, ou seja, acima da média.
Quero dizer, mais uma vez, que a idéia do blog não é repercutir notícias de jornal. Contudo, os últimos acontecimentos parecem alterar a vida da gente. Ou, pelo menos, a nossa percepção em relação ao mundo em que vivemos. Quer queira, quer não. E quando a notícia praticamente invade a sua casa, os seus ouvidos e toma o seu dia onde quer que você vá...Isso quer dizer que é hora de refletir. Não sei aonde esse texto vai dar.
Foi com uma raiva profunda que acompanhei pela TV a história da menina que era submetida a maus tratos e à tortura que a mulher que a pegou para criar lhe impunha. Isso me chocou profundamente, porque mostra o que pode haver de mais bestial dentro de um ser humano. Se é que tal mulher pode ser chamada de humana. Antes disso, o Brasil já estava com nojo, para dizer o mínimo, da história da menor que foi trancada numa cela com um monte de homens. Ela foi violentada, queimada por bitucas de cigarros. E qual foi o fim disso? O caso foi abafado por um ainda pior: a história de Isabella Nardoni. A foto que divulga o caso é a da menina de cinco anos sorrindo. Um sorriso que mexe com a gente; que nos agride, como um tapa na nossa inocência. Eu não tinha muito o que falar sobre o caso, não queria ver. Ou, como disse Luis Fernando Veríssimo, queria fechar os meus olhos para fingir que isso não aconteceu. Mas, meus amigos teimaram em me perguntar porque justamente esse caso havia gerado tanta atenção por parte da mídia. Na minha humilde opinião, achava que o caso evocava a nossa consciência infantil, uma vez que parecia se desenrolar a clássica história da madrasta má. Parecia, uma vez que o casal ainda não foi julgado e não se pode imputar culpa.
Até que li a última crônica de Manoel Carlos na Veja Rio. Ele levanta a história/ entrevista contada à Folha de São Paulo pela professora de filosofia da PUC-SP Dulce Critelli, que é também terapeuta existencial e autora de obras como Educação e Dominação Cultural e Analítica de Sentido, além de coordenadora do Existentia – Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana. Terapeuta existencial para mim é tudo! Nem sabia que essa “profissão” existia, gente! Fiquei muito interessada.
A professora mostra que existe algo de diferente em nossa inquietação de agora, quando "alguma coisa saiu do lugar e desarrumou o nosso mundo. Já estamos calejados diante das atrocidades emergentes da violência social. É do mundo aí fora, acreditamos, é dessa selva urbana que insurgem todos os perigos que podem nos alcançar. Mas esse episódio entrou nas nossas casas, tornando vulnerável o único reduto que, nas nossas crenças mais profundas e ancestrais, era inviolável. Não a moradia, mas a casa paterna. Mais que a mãe, é o pai quem oferece a casa para o filho pródigo pode regressar. Por meio da casa, o pai oferece o abrigo para o repouso e o reencontro depois das aventuras e das experiências fracassadas. A casa paterna é o lugar da segurança. Isabella resumiu a nossa própria criança, a criança que confia e precisa confiar em sua segurança. Com ela, acreditamos que, enquanto dormimos, alguém nos vigia. Que, se algo nos atacar, seremos defendidos. Se o pai for o transgressor, a moral está falida. Se o pai for a origem do mal, é como se descobríssemos que o mal está na raiz de nossa natureza e, portanto, projeta-se infinitamente sobre nosso futuro”.
Em meio à dor e à confusão, observamos perplexos a história do menino de 14 anos que jogou a irmã, ainda bebê, no lago, porque ela estava chorando muito e isso o irritava. Percebemos, atônitos, que o cirurgião plástico que esquartejou a namorada – picou a mulher em pedacinhos, raspou as suas digitais, tudo na maior frieza e maldade – pegou uma pena irrisória e sabe Deus quanto tempo vai ficar na cadeia...
E por fim, como um tiro de misericórdia às avessas, a gente acompanha a história de um demônio que trancou a própria filha em um porão por 24 anos; que a estuprou sistematicamente e fez nela sete filhos, um dos quais morreu e foi incinerado no forno de casa pelo pai-avô. Não consigo nem enumerar a lista de crueldades a que essa moça e sua família foram submetidas; a lista de horrores que ela teve que enfrentar – por ela própria e pelos filhos que gerou, porque amor de mãe não se explica... – e de coisas básicas que foi impedida de experimentar...não imagino a estrada de dor que ela vai ter que enfrentar agora para ter uma vida minimamente perto do normal (mas mil vezes essa estrada, do que os horrores aos quais era submetida). Eu fico doente de ouvir esse caso da Áustria. Doente. Fico nervosa, me embrulha o estômago, me revolto, quando o pensamento me chega à cabeça, entro em uma confusão mental tão grande, que só balançando para acalmar. Tudo o que essa moça conseguir em vida, ainda será pouco. Muito pouco.
E me pergunto: onde estamos? Aonde isso vai parar? Qual é o limite entre o que é animalesco, barbarizante, horrendo, medonho, doente, sádico e as virtudes que tentamos cultivar dentro de nós. O homem é o bicho do homem. Queria poder fazer a diferença, mas o torpor consome qualquer ilusão. Ao mesmo tempo, penso que posso fazer a diferença à começar em mim e através de quem está à minha volta. Mas será que é isso?! Fico meio chateada toda vez que ouço a história do passarinho que, sozinho, tentava apagar o fogo da floresta. E se justificou ao elefante, dizendo que se cada um fizer a sua parte, o incêndio pode ser debelado. Sei lá, para mim isso é tal qual história de pequenos gnomos verdes que habitam à floresta...Quando, aqui no Brasil, a gente conseguiu através de poucos, fazer um levante de muitos para mudar o rumo das coisas?! Poucas as vezes... e assim mesmo não se pode dizer que o resultado foi o doce esperado. E como faremos isso com o crescimento de jovens criados à frente de um computador, que se sentem poderosos uma vez que se deixam corromper pela ilusão de poder ilimitado ofertado pelos sites de busca? Porque, vamos combinar, com o Google você pode desde encontrar um pontinho preto no milharal, até desvendar os segredos da construção de uma bomba atômica com o material que você tem na própria garagem, no melhor estilo Macgyver. Mas o que era esse mundo antes do Google!? Eu sou addicted, confesso…Só não me deixo levar pela bruma do poder sem limites, que se resume em arrogância e tempo perdido.
Sou apenas aquilo que posso ser e tento ofertar o que há de melhor de mim. Procuro aprender com meus erros e me desfazer de mágoas. Dou a mão a quem precisa, mesmo que essa pessoa tenha me magoado. Não sou santa e nem tenho tal pretensão, porque a vida seria muito mais complicada se assumisse essa capa, essa cara, esse estigma. Tenho medo e não tenho vergonha de mostrá-lo. Tenho amor e não tenho vergonha de compartilhá-lo, mas tenho medo. O que mais posso fazer? O que mais, meu Deus!? O que?
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4 comentários:
Bibi,
Diante dessas barbaridades mundanas, não posso me calar, não posso ignorar, nem me fazer cega, ou surda.
Procuro encontrar algum sonho possível para que a esperança esteja entre nós.
Força para isso encontro entre as pessoas que amo, especiais. Que vivem de sonhos parecidos com os meus. Construtivos. Porque estamos aqui para edificar, e não destruir.
Bj carinhoso
Ana
Medo temos porque é casca-de-ovo a proteção diante de um mundo violento e agressivo.
Felizmente, quem tem amigos, tem força extra.
Nunca esqueço o que meu tio-padrinho me disse certa vez, internado num hospital: "-Vocês: familia e amigos, são como galhos e eu sou como um tronco de árvore. Se eu tombar, os galhos me sustentarão".
Quando vc falou "só balançando pra acalmar" me senti inteiramente incluida. É exatamente o que havia pensado! Ai, qrida. O triste mesmo não é dizer: "Onde vamos parar?" Mas ter em silêncio a certeza de que não vamos parar.
Ah Bia!!Esse assunto tem me inquietado bastante. Me emociono ao limite do ódio! Mas não quero e nem vou cultivar em mim os mesmos sentimentos torpes que estes citados possuem.
Eu ajo diferentemente... busco estar por dentro e ver no que vai dar, quase que implorando a Deus que sejam culpabilizados e punidos!
Sofro muito mais, quando vejo que estas coisas acabam em "Pizza"... o que em nosso país não é lá muito difícil!
Enfim... revolta!
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