Durante muito tempo eu andei por um lugar o qual chamava de "Vale dos Ossos Secos". Era exatamente dessa forma que eu me sentia: seca por dentro, acabada, com cheiro de coisas que não mais valem ou fazem sentido. Andei por muito tempo ali, sem encontrar um caminho alternativo, uma resposta, uma solução. E, de certa forma, ficar no "Vale dos Ossos Secos" fazia com que eu me sentisse menos insegura. Porque pior que saber-se no fundo do poço, é não saber onde se está.
A cada passo que eu tentava dar para me tirar daquele estado de prostração era uma dor imensa. Assim sendo, caminhar para o que as outras pessoas chamavam de "Horizonte Azul" era tremendamente sacrificante. Melhorar era vestir a minha mortalha. Contudo, eu tinha duas escolhas: ficar ali e perecer ensimesmada ou avançar de encontro à minha dor, para que ela se tornasse apenas uma lembrança. Só que a dor já me fazia as vezes de companheira e se eu a abandonasse, acabaria ficando sem o pedaço de mim que ainda fazia sentido. Porque estar no "Vale dos Ossos Secos" é não ter nem forças para sentir auto-piedade ou comiseração.
Sinceramente achei que podia sair sozinha daquela situação que eu mesma havia me metido. Era minha responsabilidade conseguir respirar, função básica da vida. Cada um é responsável pelos seus atos, por suas escolhas e pela sua dor, mesmo que essa tenha sido causada por outrem. E foi nesse ímpeto de me achar "dona de mim", que eu compreendi que Deus, ao mandar o seu único filho ao mundo, estava dizendo que a gente não pode NADA sozinho. Sempre existirá um Salvador, um patriarca, um exemplo, um criador, um precursor. Eu entendi que Deus como Trindade, estava a nos dizer que era UM, mas em Três. Portanto, Ele nunca esteve só. E nunca estará.
Eu compreendi que Deus fez Eva para que Adão não andasse só e que tirou dele uma costela, para que ela fosse feita não do pó, mas de uma parte humana. Dessa forma, ela seria capaz de entender o que vem de dentro, porque é desse material que ela foi feita.
Por fim, tive que refletir sobre a história de Jesus na terra. Ele foi tentado e não pecou. Ele foi exemplo de amor. Ele teve a vida mais extraordinária do planeta, porque Deus se fez homem. Quando sua missão estava para ser consumada, Jesus sentiu medo. E foi até o Getsêmani com os seus discípulos para pedir socorro ao Pai (Mateus 26.36 a 46).
“Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”. (v.39b)
“Meu Pai, se não for possível afastar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade”. (v.42)
Jesus não disse que não tinha medo, que era forte, corajoso e valente, mesmo que possuísse todos esses atributos. Ele sabia quem era e do que era capaz. Jesus era humano e provou o preço da dor e das lágrimas, mesmo sem ter pecado algum, mesmo sem nunca ter ofendido ou agredido outro ser humano.
O medo é esse sentimento estranho que se agarra às nossas entranhas e deixa a vida como se estivesse pendurada por um fio. Nos deixa frágil, acessível ao que mais tememos. Mas, paradoxalmente, a nossa consciência dele é o que nos alerta para a solução. É a consciência da nossa fragilidade que nos leva a procurar ajuda. Uma pessoa com problemas mentais não se reconhece doente. Os sãos sabem-se humanos.
A minha ideia de par perfeito nunca foi a de alguém SUPER [lindo, rico, atleta, musculoso, inteligente, atraente, senhor incrível]. Eu sempre quis alguém que tivesse coragem de compartilhar as suas fragilidades e que me deixasse ajudar. Quando se tem a oportunidade de fazer algum bem a outra pessoa, você se alimenta daquilo que dá forma à sua essência.
Ironicamente, é complicado deixar o contrário acontecer. Quando você se sente necessitado, ao invés de pedir ajuda, você se encaminha para o "Vale dos Ossos Secos" e se tranca na ante-sala da solidão, para que ninguém te perturbe e você espere o temporal passar. Só que a única coisa que consegue com isso é entupir os bueiros emocionais com o lixo da água da última chuva. Porque você não está limpando os seus reservatórios, mas apenas tirando a sujeira do caminho.
Não há nada que o amor não cure. E quando alguém diz que devemos ser inteiros, avalie bem o sentido dessa palavra. Ser inteiro não é ser SUPER. É saber das suas potencialidades e fraquezas e deixar que outra pessoa te complete naquilo que te falta. Relacionamento é dar e receber, essa é a fórmula. Dar o que se tem e receber aquilo que falta. E o que falta vai se transformar em algo que não falta mais, porque vem na abundância do se liberar para que outra pessoa se encontre - dentro de você. Não que ela seja você, porque assim ela não estaria inteira. Mas que ela saiba aquilo que ela pode receber de você, sem medo de pedir ajuda, sem medo de entender-se fraco, frágil e necessitado. Pois assim todos nós somos. E Deus diz: "quando estou fraco, aí é que SOU forte, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza".
Preciso de virtudes e defeitos a serem trabalhados. E quero oferecer os meus valores e as minhas tantas fraquezas. Assim como quero ajudar, quero ser e saber-me ajudada. Assim é que se constrói UMA vida a DOIS.