12.4.10

Sempre e só amanhã


"E agora chegara o momento de decidir se continuaria ou não vendo Ulisses. Em súbita revolta ela não quis aprender o que ele pacientemente parecia querer ensinar e ela mesma aprender - revoltava-se sobretudo porque aquela não era para ela época de "meditação" que de súbito parecia ridícula: estava vibrando em puro desejo como lhe acontecia antes e depois da menstruação.
Mas era como se ele quisesse que ela aprendesse a andar com as próprias pernas e só então, preparada para a liberdade por Ulisses, ela fosse dele - o que é que ele queria dela, além de tranquilamente desejá-la?"


- trecho de "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres"


Sempre achei que ler Clarice Lispector demandasse de mim um pouco mais que mera atenção ou devaneios literários. Estava certa. O texto de Clarice te puxa para o centro da sua dúvida, evocando as vivências mais intensas. Não é algo que se leia para passar o tempo, mas para jogar a rede no mar da emoção. É preciso vivência. É preciso um choro bem mais que a simples dor e a dor bem além do simples choro. É necessário misturar a alegria infantil incontida com o coração dilacerado por um amor que se foi. Talvez não seja necessário nada disso, só a poesia. Talvez essa seja eu, querendo evocar a temática que uso para tornar os textos do blog mais próximos à realidade que não me confunde, mas me apresenta. Clarice confunde na medida em que altera toda a estética gramatical na hora de transformar palavras em compêndios. Talvez a vida esteja além da estética que esperamos encontrar no cotidiano. As respostas sempre se encontram atrás da próxima curva. E você terá acesso a elas amanhã. Sempre e só amanhã. A busca incessante e o devaneio louco de preencher lacunas nos fazem escrever dias inteiros e criar existências sublimes. Gosto de ler Clarice, mas tenho muita dificuldade em entendê-la com completa clareza. Qual o que?! Assim também sou tantas vezes em relação à minha própria história.

2 comentários:

Fernando Rocha disse...

Decifrar os enigmas de Clarice tem lá sua graça, mas ás vezes nos deparamos com a inevitável dor inerente a raça humana.

Bibi disse...

É que muitas vezes a minha dor é a solidão acompanhada, grudada na alma como uma presença de fácil percepção. Vez ou outra eu a mando ir dormir. Vez ou outra eu a descubro na literatura!