13.10.10

Acorda amor



Ela olha pela janela do carro. Gosta de não estar ao volante. Uma das raras chances de contemplar o céu. Está tudo azul. É dia claro e não muito quente. Algumas nuvens brancas passeiam pela paisagem. Elas enganam o observador desatento. Afinal, quem se move: as nuvens ou nós? Ambos, na atual situação. As velocidades quase constantes só perdem para a cadência do pensamento. Esse voa como a nuvem e engarrafa como o trânsito. Uma buzina mais forte a desperta do aparente transe. 

- "De que me importa agora o mundo lá fora? Há tantos que conduzem à minha volta", ela pensa. 
- "Deixa que os condutores cumpram a sua inexorável missão". 

Ela, presa ao cinto, ironicamente está mais livre para deixar o pensamento voar e a imaginação correr por entre aquelas nuvens passageiras. Tão passageiras quanto ela. Quanto a vida dela. Quanto a vida de cada um. Ela então projeta imagens naquele céu. Um filme de acontecimentos tantos que se desenrola no piscar de olhos. E ela sente que cada coisa tem o seu lugar. Mesmo que o lugar ainda seja tão incerto. Indefinidos somos todos, de certa maneira. Jogados ao sabor dos acontecimentos à nossa revelia. Outros nem tanto. De alguma maneira estranha e libertadora, somos co-participantes daquilo que forma o acontecimento. Cada um tem a sua parte dentro de um todo. Voluntária ou involuntariamente somos. Havemos de ser. Haveremos de existir até.

Uma freada brusca a leva mais uma vez para um instante de realidade. Há trânsito. Mas há trânsito dentro e fora dela. Carros e sinapses. Sirenes de todos os tipos se manifestam em forma de alerta. Absorve-se os acontecimentos em profusas inspirações. Porque é respirando profundo que se alivia o estresse. É respirando profundo que também temos consciência da vida inconsciente. Há trânsito. 

- "E daí?", reflete ela. 
- "Sempre estamos de certa forma presos em longas estradas". 

Loucas jornadas. Grandes desafios. Sempre em busca da caminhada. Sempre ansiando a chegada. Mas qual o que? De repente descobre-se que a chegada encerrada também é uma nova partida programada. De força imantada. Irresistível. Quantas vezes ela quis se jogar um pouco pelo acostamento dos acontecimentos e deixar que o sol lhe desse um pouco do conforto de seu calor. Mas quem consegue impedir a noite de acontecer? Caminhar é preciso. Mas pode-se caminhar contemplando, como passageiro da vida. Eis que faço carona de muitas histórias. E sou condutora da minha.

- "Acorda, amor. Chegamos".
- "Nunca chega. Aqui começa um recomeço".

2 comentários:

Anônimo disse...

Queria te dizer coisas belas,
porque bela voce ajuda a fazer a minha vida. Voce tira nuvens de meus pensamento...clareando como o sol clareia a manhã.
Sabe a parte do horóscopo no jornal, naquele dia quando voce lê tudo faz sentido?...o seu blog é assim para mim, quando eu o leio, tudo faz sentido. De repente eu descubro que a chegada encerrada também é uma nova partida programada (BIA).

Bibi disse...

Meu Anônimo querido...
Coisas lindas que você me escreve. Obrigada. Estou profundamente emocionada, encantada e com a certeza de que escrever vale a pena, mesmo em meio a tantas dúvidas que algumas vezes surgem.
Obrigada pelo carinho.
Bibi