16.1.10

No silêncio dos não-aflitos


É noite e ela corre para a varanda. Lua e estrelas estão chamando para a brincadeira começar. Sentada em uma espreguiçadeira, ela olha atentamente a vista. A mesma de sempre. Deixa que o vento lhe beije o rosto, de leve. Contempla o horizonte sem fim. Um mar que se abre na paisagem e leva até onde os olhos já consideram o impossível. E além. Está tudo lá: linhas e recortes, relevos e a escuridão a emoldurar sua vista.


Não há ninguém na varanda além dela. Não há ruídos. Não há calor. Só o frio permanece. E esse vem sempre ao seu encontro. Um relógio biológico certeiro. Cravado. Indesejado. Só há frio e poeira. Ninguém mais pisou aquele chão de mármore. Veias saltadas, como se quisessem ganhar vida e amarrar o seu pé. Veias travadas. Congeladas. Daquele tipo que só fica na intenção. Não há perigo externo.



Não há escuro que vença os brilhos da noite. Não há silêncio que demova a batida de um coração. No peito. Na garganta. Não há mistérios que não se dissolvam com a força do pensamento. Ou troquem de lugar. Basta querer. Basta pensar. E ela sabe disso. Sabe que a força maior é descoberta de dentro para fora. Há em seu exterior marcas. Sob a pele encontram-se cicatrizes invisíveis a olho nu. Nas profundezas existem feridas particulares de remédio incerto.


Ela sabe que o tempo é seu amigo. Ela sabe que o tempo é seu algoz. Ela sabe que o segredo do tempo é o movimento. Ela sabe que a paisagem está lá. E lá sempre estará. Nunca ao alcance das mãos. Sempre perto de um simples pensamento. Basta buscar. E respirar. E pensar. E transferir toda a sua energia interna. E transformar em algo bom. Que vai nascer. De dentro para fora. Num simples movimento. No tempo. No tempo certo. Na cadência dos acontecimentos. Na batida do coração. No silêncio dos não-aflitos. No escuro do seu interior. Na claridade da noite que não mais assusta. Até no beijo gelado do vento. De dentro. Para fora. A qualquer hora. Em todo tempo.

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