16.1.10

Ouço gritos da janela...


Tinha um tema completamente diferente na minha cabeça, pronto para virar um texto. Contudo, os acontecimentos lá de fora da minha janela me demoveram da ideia. Parecem mais urgentes (e são). Na realidade, é um tema praticamente inevitável diante da circunstância. Lá fora há um casal brigando. Briga feia. Altos brados retumbantes dentro do apartamento. Coisas caindo (ou voando, não se pode ter certeza). Ela fala muito mais que ele. Ele parece culpado de alguma coisa. E antes que esse papo todo comece a parecer "sexista", por eu insinuar que ele possa ter culpa no cartório, vamos voltar um pouco no tempo.

Eu, sentada neste mesmo computador, de costas para a janela. Nenhuma concentração foi possível quando a moça começou a brigar com o porteiro. Um barraco. Dos feios. Ele em situação complicada, por ser funcionário. Aqui tem uma lei "antibrigas" que eu ainda não compreendi como funciona. Detesto reunião de condomínio. Para mim trata-se do zoológico reunido numa jaula só. Selvagens "quase" domesticados. Um horror. Tirando isso a vizinhança é da paz.

Voltando a situação complicada do funcionário sendo "praticamente" agredido verbalmente pela moradora. Ela me pareceu estudante de Direito. Daquelas (estou citando o tipo que acho que a mocinha se encaixa e não dizendo que o pessoal do Direito é assim, vamos deixar claro!) que ainda não se formou e não conheceu as agruras da vida, mas está cheia de razão, porque acha que domina a lei. A revolta dela em nenhum momento justificava o show. Ela gritou com o cara, exigindo respostas (o que daria mais munição a ela) até aparecer um vizinho em socorro. Daí os gritos foram para ele, que, segundo ela, não deveria estar se metendo naquilo (era coisa para o síndico, mas quando esse não aparece...).

Hoje, volto a escutar essa mesma voz discutindo com o marido. Gritando pelas janelas seu ódio. Fazendo barulho. Derrubando coisas e exigindo dele respostas que - ao que parece - não queria dar. Um berro dele bem dado, transformou aquela histeria em lamúrias em dó maior. Menos tensa a situação. Eu não dou a mínima para quem tem razão ou não (cada casal com a sua dinâmica e suas certezas incertas). Brigas nunca são mero fator circunstancial, pode apostar. A minha questão é: pra que tanto barulho?

Acredito que existam pessoas que precisam desesperadamente serem notadas. Não existem sem retorno do outro ou sem plateia. Ok, que atire a primeira pedra quem nunca elevou o tom em uma discussão ou ficou tão nervoso a ponto de explodir... BUT... Acho que vivemos dias muito mais complicados, onde a solidão interna faz rugir a fera enjaulada. Uma tentativa de mostrar que ainda há algo de selvagem ali dentro.

Não sei ao certo, mas a internet aproximou sim muitas pessoas. Porém, através dela treinamos arquétipos e não manifestamos nossos instintos. Na internet podemos ser reais, sim, e isso é válido, mas somos muito mais reais quando encaramos o outro olho no olho. Desse modo a verdade é ainda mais desafiadora. Instinto. Tudo comunica: cheiro, aparência, movimentos, a forma de prender o cabelo, o lugar onde coloca as mãos, a posição do corpo, o sorriso, os olhos, a vibração. Tudo fala, ainda mais quando cala frente a frente. Há muralhas que palavras derrubam. Há fortalezas que o silêncio transpassa sem nem fazer esforço ou movimento.

Vivemos uma época em que as pessoas precisam ser notadas. À saber: não somos mais um na multidão ou não gostaríamos de ser. Quantos somos no mundo? Entre bilhões e bilhões de pessoas, a gente sempre quer ter um olhar de aprovação, uma demonstração de calor, carinho e importância. Quem não sabe ouvir a voz interior, quem não a liberta com verdade e responsabilidade, acaba sendo surpreendido por esse grito primal que ecoa dos fundo das entranhas do esquecimento, do vazio que se deixou habitar. No silêncio você se escuta, no tom certo também se vence uma batalha. Eu quero existir nesse mundo de meu Deus, mas deixo a selvagem para os momentos em que ela realmente possa estar presente. Não como fúria incontida, mas como um desejo evocado.

5 comentários:

jose luis disse...

ja' vi muito esse filme
e em 3D

Bibi disse...

A gente também é fruto daquilo que viveu, não é Zé?

Fernando Rocha disse...

Quando Freud diz: "O homem n]ão é senhor, nem em sua própria casa", temos dificuldade em entender, pois é díficil admitir, que somos só mais um humano, que mesmo desmpenhando um papel importante dentro do seu âmbito social, não passamos disso.
Não creio que a internet tenha aproximado as pessoas, mas sim, os ideais das pessoas, como você bem escreveu, para haver comunicação é necessário masi do que palavras.

Saulo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Saulo disse...

Atualmente, minha maior dificuldade no relacionamento a dois é manter o diálogo em nível pacífico. Quase todas as discordâncias evoluem para discussões... e o pior... como se falassemos em línguas diversas. Eu tenho um defeito: não sei desconectar os eventos, tudo na minha cabeça se organiza em etapas, em cadeia. Exitem conexões indeléveis entre todos os assuntos.
Posso omití-las e sofrer ou verbalizá-las e transtornar. Sei que isso não traduz um comprotamento de suceso. Mas a teoria e a prática são como inimigas mortais sobre a língua de um taurino desafiado, enraivecido. Queria ser pacífico como Madre Teresa e tão silencioso quanto uma lesma. Talvez assim fosse mais feliz e fizesse os outros mais felizes.