28.3.09

Águas


O Jornal Hoje exibiu uma matéria muito bacaninha sobre o heroísmo de um menino de 13 anos, morador de Vitória, no Espírito Santo. Em um intervalo de apenas dois anos, Vinícius Cordeiro salvou a vida de quatro pessoas.

Vinícius e um amigo entraram em uma casa onde havia um incêndio e salvaram três crianças. O menino foi condecorado pelos bombeiros. E , mais recentemente, viu um amigo ter a perna decepada por uma embarcação em um canal da cidade. Pulou na água para resgatá-lo e agora torce por sua recuperação, no hospital.

Ato nobre e bonito. Digno de todo o destaque. Embora toda a ação tenha sempre seus riscos. Por um lado, acho que um guri de 13 anos ainda é uma criança. Mas veja só como é a vida...

Eu tinha 14 anos. Participava do Movimento Escoteiro. Não ficava com as meninas da minha idade. Na época, eu gostava de chefiar as crianças de 6 a 11 anos [o chefe era meu Pai, mas tudo acabava ficando sob a minha orientação e responsabilidade dele]. Planejava brincadeiras, contava histórias, cantava, ensinava sobre Cidadania, companheirismo, valores importantes. Nesse dia a gente tinha ido para a região da Costa Verde do Rio de Janeiro. Eram umas nove crianças e eu. A gente tinha acabado de chegar à praia. Ainda na areia, todos procuravam se acomodar. Tudo tinha ordem.

O Bruno, o mais velho e mais alto deles [mais alto que eu, inclusive] ficou em pé, olhando para o horizonte. Foi no mesmo momento que eu também avistei uma coisa estranha dentro do mar. O Bruno se aproxima de mim. Eu digo:

- Vai lá ver o que é!
- Eu não! Tenho medo.

Bruno só tinha tamanho. Pedi a ele que olhasse as crianças e deixei claro que ninguém poderia entrar na água. Outro menino de 11 anos foi até a casa onde estávamos para chamar meu Pai, que é da área de saúde.

Fui entrando na água e me aproximando do que parecia ser um menino boiando. A cabeça estava para baixo da água. Tive medo, mas fui pensando:

- Se esse garoto estiver de brincadeira, ele vai ver só uma coisa. Não conheço e nunca vi, mas isso não é brincadeira que se faça.

Ao chegar bem perto, meu maior temor mostrou-se real. Empurrei ele e nada. Já não dava pé para mim. Assim mesmo, puxei ele pelo braço, tirando sua cabeça de dentro da água. Mole. Caiu, sem firmeza. Desespero total. Comecei a puxar essa criança para o raso e a nadar contra a corrente, tentando manter a cabeça dele para fora da água e a minha também. Foi difícil.

Quando cheguei à parte rasa, eu o peguei pelos braços e comecei a tentar sair do mar. As minhas crianças [ele não era do meu grupo] já estavam aflitas na areia. Meu Pai vinha correndo lá atrás, pude ver. E uns fortões me viram com a criança nos braços e correram para me ajudar. Ali, né, já na parte final?!

Deitaram o menino na areia. Meu Pai começou a fazer as manobras de ressuscitação cardio-respiratória. Eu tentava afastar os meus meninos daquela cena, quando vi um grupo vir correndo na nossa direção. Juro que a cara de curiosidade mórbida daquelas pessoas me deu um embrulho no estômago. Uma dessas caras, no entanto, se transformou. Era a tia do moleque. Ela se jogou na areia em desespero. Eu só pude segurá-la e comecei a fazer perguntas, a tentar acalmá-la [impossível, não é?]. Ele tinha apenas 8 anos. Brincava sozinho no mar. Estava morto.

O mais impactante dessa história aconteceu nos bastidores, digamos assim. Cerca de 10 anos antes, meu Pai comandou uma manobra de ressuscitação cardio-respiratória que teve muito êxito. Por isso, antes mesmo de entrar na água do mar [na Costa Verde], eu pedi para chamar e-l-e [especificamente]. Dez anos antes daquela cena, eu caí em uma piscina e ali fiquei, roxa, inerte, até uma menina da minha idade perceber e mostrar para um adulto que eu havia “parado de nadar”. Meu Pai não foi o primeiro a chegar e pular na água, mas foi ele que me “trouxe de volta à vida”.
Até hoje eu me lembro dessa volta. De como eu abri os olhos de um escuro tremendo e tentei chorar, com a garganta ardendo porque bebi muita água; de como o meu Pai estava ali, a me proteger [e aí está uma boa metáfora para Deus, o meu Pai do Céu]. Não me lembro de nada mais além dessa volta. Desse reviver. E até hoje é assim: meu Pai vela por mim.

9 comentários:

Lucas Ferraz disse...

Bia!!

Vc nunca me contou essas coisas!! to arrepiado aqui!!!

Bibi disse...

Luke: são momentos muito delicados da minha vida. Não sei como e nem porque falei aqui. Meu pai já leu. Já valeu a escrita! :)

Anne Katheryne disse...

Carak Bia... fico um tempao sem ler e assim q volto já choro no primeiro post. Assim vc nao quer q eu volte mais! [rs brincando!] Ai ai... bonita estória.

Bibi disse...

Anne: Só para deixar bem registrado aqui, não é estória: são fatos! Tirando as poesias, as frases dos outros e as notícias, as minhas histórias são reais. Eu guardo muitas lembranças. Isso é bom.

valmir disse...

Que louco isso, quase cinematográfica sua descrição da cena.

Bibi disse...

É Val? rs Mas foram fatos reais. Talvez eu tenha aprendido a forma no meu curso de roteiro. But just maybe. Gosto de escrever pensando em imagens, nos fatos acontecidos. Como disse: tenho uma boa memória!

Fernando Rocha disse...

Quem disse que heróis não existem?
Basta nos disvencialiarmos da idéia mitológica de tal figura e humanizarmos tais seres para enxergarmos alguns ao nosso redor.

Saulo disse...

Prima!! Vc também nunca me contou deste epi´sodio na praia! Nossa... que triste! Acho que eu não teria sua coragem.
Sobre a história da piscina eu ouvi falar por alto em alguma reunião de família. Depois me conta melhor, ok?!
Tio Tom e Beá... meus heróis! rsrs

Bibi disse...

Eu não tenho heroismo algum! E meu pai estava sendo pai! Uma história que temos em comum!

Fernando: Heróis mitologicos ou não, a gente sente muito prazer em eleger ou destacar pessoas que fazem o bem!